domingo, 30 de novembro de 2008

Passos



Treme os ângulos,
abala edifícios,
era a voz da cidade.

Passos sorrateiros,
a morte do tempo,
o lanche engordurado.

A antena dos sinais,
os sinais nas mãos
de todos e
todos exalando
sinais.

Cíclico.
A mesma viela,
as mesmas faces,
o dia dia.

Do outro lado,
só as cores dos ônibus
mudam.
Permanência e unicidade.

O detalhe da cara humana
no atravessar da rua.
E nunca mais.

O fim da tarde,
o trânsito,
flanelas no pára-brisa
dos cavalos de rodas.

História,
poemas,
tudo permeia
a mente estática de um
paulistano.

A voz das construções,
a britadeira,
o trabalho
tudo vinha de dentro.
A cidade gritava no abrir
do semáforo e nas veias
do homem urbano.

Lucas G.

Esboço/Luiz Tatit

Cara de palhaço
Pinta de boneco
Pula o tempo todo
Não dá nem uma parada
Parece até ligado
Na tomada
Todo emocionado
Com a própria brincadeira
Qualquer coisinha cai
Na choradeira

Uns dizem que é homem
Outros que é mulher
Dizem que é velho
Por isso pinta a cara
Pinta porque é moço
Pinta porque é velho
Pinta porque é macho
Pinta por capricho
Não é por nada disso
Não é homem,
não é mulher
Ele é um bicho

E ele passeia, passeia
Passeia como se fosse um turista
E cumprimenta todo mundo
Que freqüenta a Bela Vista
E mesmo que ele esteja sem dinheiro
Dá uma passadinha nos botecos de Pinheiros
Chega com uma cara que dá pena
Mas é gente muito boa
Lá da Vila Madalena
Sempre sobra um copo de cerveja
Fica tão contente
Mas não quer que ninguém veja
Então procura o centro da cidade
Na Liberdade
Lá ele aparece algumas vezes
Lá os seus amigos são chineses
Canta umas canções em pot-pourri
E o pessoal morre de rir
E no fim da noite
Dá o último giro
No Bom Retiro

Meio delirante
Meio inconseqüente
Muito colorido
Um destaque na paisagem
É todo uma figura
Um personagem
Não adianta perder tempo
Desprezando a sua imagem
Pois nunca ele ligou
Pra essas bobagens

Corpo de moleque
Corpo de borracha
Todo amolecido
Dobra tudo
Nada racha
Dizem que é um esboço
Que é alguém de carne e osso
Dizem que é um colosso
Por dentro e por fora
É gente como a gente
A gente sente
Pois se aperta ela chora

E ele vagueia, vagueia
Vagueia como se fosse um cachorro
Avança, volta um pouco
Chegando até Socorro
Lá ele não conhece muita gente
Então pega a Marginal, o Jóquei Clube
E segue em frente
Gosta de entrar um pouco na USP
Gosta de sentir que é estudante
Mesmo que não estude ele embroma
Com tanta perfeição
Que sempre sai com um diploma
E vem pra casa então todo feliz
Em Vila Beatriz
Tem os seus horários de paquera
Tem o seu lugar no Ibirapuera
Tem o seu amor em Santo Amaro
Que ele encontra pelo faro
E tem um gosto muito próprio
E muito raro

Balança a cabeça
Mexe o coração
Passa pela Penha
Pela Lapa, pelo Brás
E já não sabe bem mais
O que faz
Todo envergonhado
Quando encontra uma criança
Perde o rebolado
Sempre dança

Tido como louco
Fala muito pouco
Pula, gesticula
Flexível, inquebrável
Vai ver que ele é amável
Vai ver, é provável
Vai ver que ele é uma fera
Vai ver que ele devora
Vai ver que cê chegando
Bem pertinho, dando um sopro
Ele evapora

Sentir-se comum, finalmente... (ou Robótica)

Não estava só.
Minha voz saiu e
disseram,
Eu gritei e, logo após,
urraram.

Uníssono
Conexo e
Conciso.
Quanto à mim?
Pasmo aquilo tudo que via.

Sentiam
o mesmo.
Interpretações
idênticas - meu abraço coletivo.
Não queria a razão,
mas sim convecimento.
(Eu o tive.)
Não queria o entendimento,
apenas o inaceitável.
(Eu também o tive.)

Mistura salobra de efeito rápido,
errante, ulula nas veias de um adolescente amargurado.
Eu precisava,
eu preciso.


Será o aço já tão inerente?
as epifanias já não vinham,
os semelhantes
teciam e afastavam-se
com o usual,
com a rotina -
aquele cansaço.

E quem será que pode falar?
Será que se chamar bem alto,
alguém encontra?
Incompreensão e orgulho.
Existência e vetos.
Corre bem longe a toda sorte.
Repete,
Confunde,
Inverte e
Espera.

Como disseste.
“Encontrou-se a amizade perfeita”.
E isso vai longe, pois no início, o oposto pouco atrai.
Porém, em breve, se forma e quando isso ocorrer,
a máscara já estará no chão, o tempo triplicado,
E as lágrimas marcando a pele.

Escolhas, para alguns, minutos.
Mudanças, nos segundos.

Incrível e incrédulo.

Vê-se ao longe o segredo da garrafa:
Psiu! Esse aí não é você!

Lá , distante , uma voz feminina é ouvida:
- Diz que você é assim agora! Está na página 128, lembra?

Lucas G.

Te vi

Ontem , eu te vi.
Mas não era você.
Era você em outro,
Ou era outro em mim?

Ontem, eu te vi
E senti o frio no meio da mão.
Suas palavras,
Suas maneiras,
A forma.
Era você?

Não sabia e
Só falava.
Será que disse demais?
Comentei ,
Relatei,
Algo eu te disse, não disse?

Ontem,
Era você
Em mim,
E eu em nada.
Era você no vão,
Era eu e aquela fresta.
Era eu em você.

Uma fenda,
A lasca,
Prisão.
Ontem, eu te vi?

E era como?
Os sorrisos...
Amargos e os
Trejeitos
Hedônicos.

Era você?
Ontem , eu te vi em mim.

Espelho


Quando da boca sair aquilo que se quer,

quando dos olhos sorrisos aparecerem,

quando do ouvido, os conselhos cessarem

e as batidas serem mais fortes.

Quando do corpo, eu ver você.

E da fala, a nostalgia.


Quando voltar a andar com seus pés,

se entender, se ouvir e não buscar em

semelhantes suas soluções.


Quando não temer,

quando ver que as grandes intempéries,

talvez, não estejam nas pessoas.

E que o mesmo sabor, cansa.

Que a mesma conversa, afasta.

E que erros viram anéis.


Só aí, você vai poder parar de correr.

Olhar em volta e ver aonde está e quem ainda se encontra.
Lucas G.

Sussurro


Palavras e frenesi,
diálogos e muitos pássaros.
De todas as cores e dos tantos
tamanhos.

Os enganos vêm à cabeça,
a valsa antiga, o olhar
durante o sono,
o menino da noite – iminência
libertadora.

E por quantas vezes,
meu reflexo era errante.
Opaco.
E por quantos sonhos,
tapava o ar da noite e dormia,
em solavancos, junto
as minhas palpitações sufocadas.

Palavras que são fáceis dizer,
sentimentos letrados e perseverantes
que só alfabeto habita em seu âmago.
E só.
(Escrever sem saber o que se dizia.)

Porém, como aqueles pássaros,
cada um os enxergava de sua forma. Da forma que queria-se avistar.
Tinha sido isso.
Exatamente isso.

Criação, dormência,
estupidez, amor, insensatez, ingenuidade,
necessidade, carência. Chamem do que quiser.
Mas foram intenções,
pureza e sentir vindos do mais dentro de mim.

Lugares que eu mal avisto, mas
que deram suas caras e
existiram.
Da minha forma, sem outros ouvidos
e outras bocas.
Sem mudanças, sem complexos.
dançando minha música, respeitando meu eu .
Sempre,
e para sempre.

Acreditar na profundidade dos oceanos,
sem jamais ter ido a praia.
Acreditar nas palavras tão bem expressas, se jamais
colocou uma concha em seu ouvido, e
agora junto a isso, pede a outros que abram
o caminho para você.
Um caminho só seu.

Vira as costas com esse novo orgulho, enquanto balbuciam em seu ouvido
a próxima atitude a tomar.
Reprodução e esquecimento,
a vela que se colocou um cálice em cima
Sufocou,
Sufocou,
Sufocou.
No fim , a chama se apagou.

E pensar que isso é tão veemente negado.
Não posso falar, ela se aproxima.
Vá continue seu andar de costas pra praia.
Esqueça o que disse.
Até.
Lucas G.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Reciprocidade alcançada (Meu presente)

Conseguiu.
Explodiu,
Ou melhor,
Implodiu.

Foram algumas palavras
De um diálogo que a tanto não acontecia.
E dali, se fez reflexo , se fez instante.
Como um grafite raspado na moeda – a cópia perfeita.

Lembrei da sincronia apagada pelo tempo,
Do diferente voltando ao usual.
E que sensação gostosa!
Como se a entonação, a forma, o jeito
Reacendessem, inebriassem
dois corações tão hostis.

Como suportas ainda me ouvir?

Palavras que te guiam de uma forma inconsciente
- Quanto o temi.
E que a imprevisibilidade dos acasos reiteram
As suas idéias já tão ditas.

És mágica?
És bela.
És minha.
Certeza do pra sempre.

Ainda recordo-me de uma simples pergunta:
- Não se cansas?
Antes, diria não.
Mas, explodiu.
Entupiu,
Esgotou ,
Eclodiu.

E foram apenas duas sentenças.

Sim , tu és minha melhor mágica!

Te amo minha menina dos olhos tão verdes.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Distinções

Eu. Ela.
Sou. Sua.
Mim. Minha.
Me. Lhe.
É. É.
Este. Dela.

Finge. Foge.
Nega. Mente.
Corre. Finca.
Sente. Tende.
Busca. Fuga.
Lento. Vento.

Palavras de letras.
Letras de uma palavra.
Tão próximas e inexatas.
Imprecisas, outrora, dormentes.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Rarefeito


Massa amorfa,
Cega,
Pestilenta,
Vã.

Massa que encrava nas frestas,
que espera a ação de um tempo.
Inata,
Inerte,
Pacata.

Tu és patética.

União do desprezível,
Do passivo,
Do bestial.

Mereceste a corrosão,
Saíste da solidez daquele seu estado.
Criado,
Negado,
Performático.

Acabou, líquido azedo.
Estricnina dos goles fartos.
Sórdida, tu és agora: líquido,
És vaga, como as letras.

Tu és ralo que ninguém vê.
Lucas G.
2.

Lenta será minha voz e sua longa canção.
Lentamente se adensam essas águas
Porque um todo de terra em mim se alarga.

E de constância e singeleza tanta,
Meus mortos hoje sobre um chão de linhos
Por algum tempo guardarão meu ritmo
Nos ouvidos da terra. De granito.
Pude aclarar a sombras nos oiteiros
E aquecer num sopro o vento da tarde.
Mas não vereis ainda meus prodígios
Porque haverá lideiras neste outono
E vossos olhos estarão por lá
Desocupados do sono, extremados
Para uma só visão num só caminho.

Fragmentos de Passeio - Hilda Hilst

1.

Não haverá um equívoco em tudo isso?
O que será em verdade transparência
Se a matéria que vê, é opacidade?
Nesta manhã sou e não sou minha paisagem
Terra e claridade se confundem
E o que me vê
Não sabe de si mesmo a sua imagem.

E me sabendo quilha castigada de partidas
Não quis meu canto em leveza e brando
Mas para o vosso ouvido o verso breve
Persistirá cantando.
Leve, é o que diz a boca diminuta e douta.

Serão leves as límpidas paredes
Onde descansareis vosso caminho?
Terra, tua leveza em minha mão.
Um aroma te suspende e vens a mim
Numas manhãs à procura de águas.
E ainda revestida de vaidades, te sei.
Eu mesma, sendo argila escolhida
Revesti de sombra a minha verdade.

Em segundos


Termino um poema,
e das nuvens carregadas de cinza,
Iluminou-se lilás.
Era sentimento vazando,
E denso feito pedra,
Feito aço.

Olha o céu!
Já olhou pra cima?
Lucas G.

Cecília


Foram apenas duas horas.
Horas que não vi passar.
Instantes de silêncio,
Anotações e mais lembranças.

Talvez, não saiba o quanto notei.
Sua raiva latente,
Sua decepção com uma vida
De costumes- à flor da pele,
Fraquezas e sofrimento.

Sim , eu com apenas 19 anos
- como você tanto dizia –
Sem poder prever nada
E ter muito tempo para não me utilizar disto.

O dedo que aponta a desilusão,
Os devaneios e olhos cheios de lágrimas.
A descrença nos semelhantes,
A negação e o enrijecimento.

A vida solapou sua cara,
Mas dos sorrisos ainda tão presentes,
Sinto vontade de viver.
E viver, de fato.

Sem premissas,
Descrenças e pensar em outros.
Quero sim, conhecer-me.
Olhar-me no espelho e reconhecer meu nome.
Ter reflexo, deixar de ser vulto
A cruzar os tantos.

Tenho pouca idade,
mas vivi muito
e nada.
(meus antagonismos
paradoxais)
Tive certezas e ilusões
- Ao mesmo tempo.
Eu me esqueci.

Sua face, hoje, mostrou-me
Que há opções que só destroem.
v-a-g-a-r-o-s-a-m-e-n-t-e.
Entendi os processos,
A instabilidade da amargura humana.

Mulher feita
- Da dualidade das atitudes,
Do não se deixar abater
- Fez-me crer que ainda não fui compreendido.
E estou tão longe de ser.

Você retorceu meus dogmas,
Reorganizou preceitos,
Estrangulou verdades.
Isso tudo em duas horas.

Hoje, não ganhei uma amiga,
Mas sim um exemplo.
O mundo não estava do jeito que achava,
E muito longe do que eu queria.
Lucas G.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Relíquias Reacesas ( para Nena, minha Celeste)


Muito tempo fazia.
Não as via.
Borboletas em São Paulo há quanto tempo não via.

O abrir e fechar das asas,
Tão lento,
O barulho do fecho,
Uma jóia.

A mente recalcada e
Trespassada,
Tiraram você da memória.

Os momentos lapidados,
As conversas e o gosto
De arroz e feijão.
Tudo tão único e tão seu.

Você, das tantas características,
Do pensamento parecido e das conversas
Madrugada a dentro.

As bolsinhas de cigarro,
O cheiro da pele,
A forma de pentear os cabelos
- meu saudosismo e seus trejeitos.

Cadê as borboletas?
Tão celeste aquele céu desapareceu,
E em seu lugar, turbilhões e efervescência.
Veio o futuro, o vivido e a história.

Veio os arrependimentos,
As maiores felicidades,
Decisões.
Veio o amor.

Queria te dizer,
Quis gritar quando te perdi,
Chamei seu nome,
E só o eco me ouviu.

Chorei
- não pude acreditar –
...
Tinha te perdido, e
Com tantas coisas a dizer.
Eu tive medo.

Mas, hoje, eu vi.
Uma borboleta
Pintada de céu.
O céu tão seu,
E como há muito não fazia,
Olhei para cima,
Bem para cima,
E quase toquei
a estrela mais brilhante.

Celeste - minha borboleta nas fumaças,
Meu vazio intragável,
O antigo risco que sempre cortou o toldo azul,
eu que havia deixado de enxergar.

- era você o tempo todo?
Lucas G.

Let it grow


"Taking time to find the right line
Talking easy with the thoughts
You want to share
Leaning down, feel you growing in my mind
Stealing down, going down,
Feel you growing in my mind
It's got to be slow,
talking love the only way
It's got to just flow,
Making love and taking time
To let it grow


Finding ways to find the real you
Spending days just holding hands
And feeling free
Play around, watch the sunshine
Coming through
Come around, stay around,
Watch the loving grow with you
Loving you the love you give me
Living loving with the things
We have to share
Poetry, hear the words
You say to me
Stay with me,
here with me,
Keep our loving flowing free"

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Pieces

"(...)Here's my version of it, internal whirlwind
I have fostered since childhood
Well, i dont care
Love is all
I dare to drown
To be proven wrong."
( Bjork - Hope)

No sentido contrário


E assim, tudo escureceu.
Um choque oposto
dos milésimos,
em oposição agregada,
e como síntese: Água , muita água.

Chuva brava cai do céu.
Grita junto ao tilintar dos granizos e o vento esmurra a janela de madeira.
Queriam entrar .

Do caos à
facilidade em evitar.
(Dei de ombros.)
Estranho instante e
o som passa a ser ouvido;
era minha música natural
- Engolia.

Sentir toda aquela água,
estar molhado,
o frio.
Não se podia evitar – gritavam meu nome lá fora.

Desligo minha redoma dos tantos fios,
desço as escadas e não vejo.
Meu quintal transbordava pelo temido.
Saio lá fora,
a música aumenta.

Sou tomado pelos braços,
segurado pelas pernas,
não queria e nem podia fugir.
O som ecoava também dentro de mim.

Deito no chão,
sinto o molhar das roupas,
música e pulsões.
Ali,
Trocara meu nome,
minha aparência era outra.
Água , vento, gelo, frio, rio, amargo e doce.
Intransponível, temporário e intermitente.

Sem nome,
Sem jeito,
Sem eu ,
Sem ninguém ,
Pela primeira vez,
Consegui não pensar em nada.


Lucas G.

Meu circo de todo dia


O ônibus mais uma vez,
Porém não tão lotado.
Mãos braçais,
Unhas roídas, e
Cabelos despenteados.

Sentado, observo
A senhora que se ajeita,
A mulher que gritava no celular e
O cobrador se equilibrando
Entre o cansaço e o trabalho.

O ônibus pára
E uma outra mulher, já com seus 40 anos,
Sobe de vestido roxo e sandália branca.
Ela tinha livros na mão.
Mas características, naquele instante,
Pouco diziam, pois sozinha ela ria.

Ria sem se preocupar com o acordar dos passageiros,
com as caras de reprovação
Das senhoras.
Ela ria, gritando.
Ria sem medo.
Ria como há muito não via.

Eu, sem conhecê-la,
a acompanhei – sem razão específica.
E comigo, mais cinco pessoas.
As risadas foram uníssonas
E aquele momento memorável, pois claro,
Ela ria.
Ela ria!


Lucas G.

domingo, 23 de novembro de 2008

Titubeando


Cada dia sou um.

Escrevo sem sentido,

O que seria sentido em si?

Vagueio nas palavras,

Cheiro os sons,

Entendo as cores.

Escrevo para dos olhos

Ver-se sintonia,

Para com ritmo

Fazer minha dança,

Do meu jeito,

até que encontre

alguém que queira dançar

em meu ritmo.

E quando isso acontecer,

Entenderei ,um pouco,

a razão de meus escritos e

descobrir neles outras danças.
Lucas G.

Gato-mia


Achar e ser necessário – de fato.
A grande aventura humana.

Se dizer completo.
Encontrar nas folhas e na carne
Razões de uma vida.

Porém, a moeda vira e
se absorve
O desencanto, um erro,
Aquela fala alcoólica.

Do medo a discordância,
Das certezas a busca pelo onírico.
O que lá dizem os sonhos?

Os poemas de perguntas,
o cotidiano e o ouvido
tão dito - descasos

As dúvidas sumindo,
O medo esvaecendo – as escolhas.
Silenciar, enrijecer, cegar.

Sim, entre tantos, somos minúsculos.
Dos tantos problemas humanos,
Reclama-se do coração – como pode?
Cala-te boca e viva, não se paute por
Iguais, busque neles um diferente - quebre a cabeça.

Acredite companheiro, os reflexos
escorregam como o
Líquido de dentro das palavras.

“Ei, ei, ei cadê você?” – estava tudo muito escuro.

(No fundo a caixa de som canta “vou te mandar a orelha...”)


Lucas G.

Elocução futurista


Ah! Os homens ainda acreditam que palavras dizem alguma coisa?
Ainda acham que os livros são fonte de sabedoria?
Vocês, sóis cadáveres, acham que podem mudar percursos com simples frases?
O acaso deixou de existir e o inesperado encontra-se léguas daqui.
Acordem para a vigência,
Não se nota mais o orvalho, nem o barulho da chuva antes de dormir.
Acabou a textura, o sabor foi destruído pelas pílulas, já não se beija.

Esqueçam, homens de aço, a nostalgia, as memórias e o desconhecido.
Agora, tudo é desconfiança e desimportância.
Querem dizer algo, não digam – será mau interpretado.
Visam sinceridade, pois então mintam – as lágrimas já não caem mais.

O sangue pelo ferro, o desejo pelo cálculo, o efêmero pelo tácito.
Amargam ainda as lembranças, mas basta contar os segundos de um relógios de cozinha.
Calma! Logo passa. A vida tornou-se assim.
Lucas G.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Vômito


Diga, agora o momento – degrada
Inventa, droga e veneno - corrompe
As promessas e as palavras retorcem- exalam
Lá dentro - silêncio

Espera dormente – e mente?
Tímida, vaga, nula – burra
Inala , esquece, indaga, indaga e indaga.
Caralho , nunca se cala?
Avalia e desmente
- e do ônibus lotado ouve-se uma pergunta sufocada – Qual o seu nome?
Lucas G.


" A noite desce, o calor soçobra um pouco.

Estou lúcido como se nunca tivesse pensado

E tivesse raiz, ligação directa com a terra,

Não esta espúria ligação ao sentido secundário chamado a vista,

A vista por onde me separo das cousas,

E me aproximo das estrelas e das cousas distantes -

Erro: porque o distante não é o próximo,

E aproximá-lo é enganar-se"


(Poesia Completa de Alberto Caeiro)

Inesperado inteligível



Desce no mesmo ponto,
segue a mesma a rua,
olha como há muito não me olhavam.

O rosto nada era desconhecido e eu desisto do disfarce – risco.
A máscara cai e o reencontro é nítido.
Porém as palavras faltam,
e naquele momento elas só estragariam.
Não tinha o que ser contestado, tornou-se dito.
Uma vontade e um pensar intenso na pessoa desconhecida.


Desacreditei
- houve resposta-
não busquei
- houve procura-
nem ao menos imaginei
- olhou-se.
E na conjuntura,
isso basta...
(Lucas G.)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Sentí-tulo

Sofre, mas não diz.

Diz, mas não sofre.

Fala, mas não sente.

Sente, mas omite.

Grita, mas explode.

Explode, mas cala.

Cala, sem sentido.

Sente, sofrido.

Engoles ácidos


Engulo a seco para dizer,
sou daqueles que sinto e depois paro.
Nunca o contrário.
Sou sentir das têmporas ao Aquiles.
Perambulo, anoto frases, expressões,
trejeitos e estímulos.
Escrevo por que amo,
escrevo por ódio.
Não sigo linhas,
sou raiva,
paixão, desgosto,
conformismo.
Sou um crápula e um príncipe,
transito na dualidade inquieta,
em busca de um tão vago entendimento.
E dessas frias páginas virtuais
encontram-se um pouco das maiores
inquietudes de uma jovial vida paulistana.
À mim, admito que o sofrimento não é tanto,
diria que o mesmo.
Não se mede o sentir, o vive apenas.
Porém asseguro que o incito e o almejo,
pois com ele não destruo
um dos maiores prazeres de minha vida - escrever.


Lucas G.

Boi de Haxixe de Zeca Baleiro


"Quando piso em flores
Flores de todas as cores
Vermelho sangue verde-oliva azul colonial

Me dá vontade de voar sobre o planeta
Sem ter medo da careta
Na cara do temporal
Desembainho a minha espada cintilante
Cravejada de brilhantes
Peixe-espada vou pro mar
O amor me veste com o terno da beleza
E o saloon da natureza
Abre as portas preu dançar

Diz o que tu quer que eu dou
Se tu quer que eu vá eu vou
Meu bem meu bem-me-quer
Te dou meu pé meu não

Um céu cheio de estrelas
Feitas com caneta bic num papel de pão "

A barreira


Aí você passou,
Você passou como aquela latinha na enxurrada,
Como o barulho da máquina de apitar códigos de barra em um supermercado,
Como os rápidos escritos vistos de dentro de um vagão de metrô em movimento.

Tentou não marcar o tempo,
Mas o tempo te marcou
E, agora, já se fala em um passado.

Chegou-se ao plano,
Palpou o rígido e o exato.
Não criou-se as dúvidas.
-“Mas já sem dúvidas?
Ainda é tão cedo” –
Pois bem...

Quando, por menos, esfregam-se os olhos e
à sua frente , um horizonte de areia reto,
eterno e
longínquo é visto.
(Não se vê pegadas)
E por um momento de curiosidade, olha-se para trás...
E a paisagem nada muda.

Lá ficou você - no distante, no exato, no sólido.
Mediando e contorcendo.

Você passou...
Passou sem ter nada registrado em você,
Nem mesmo o apitar daquela máquina do supermercado, lembra?
(Lucas G.)
ps: Agradeço a Fabi pela frase cedida

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Roda mundo de aquarela




Mundo feiticeiro,
roda em minha mão.
Trascreve histórias,
monta e recria.


Gira mundo,
vago e anedótico.
Conformista e incessante.
Minha verdade,
um transtorno.


Mundana roda de cores,
mentes e fluxos.
Irradia seus sabores no meio de meu peito,
estranho gosto de querer tocar.


Colorido mundo,
faça-me enxergar o amplo,
o nostálgico - quero me encontrar nas flores.


Grito, mundo fetichista,
grito alto aos ventos,
aos amores, aos desejos,
a dualidade de minhas incertezas.


Minha roda colorida e meu pesar humano.
Vagos.
pútridos.
completos e intocáveis.
MEUS!
Lucas G.





terça-feira, 18 de novembro de 2008

Eu não sabia


Procuro não pensar,
Mas será que dizer passa?
Como faço parar,
Eu quero que pare?
Tenho medo do tempo,
Da distância,
Não quero crescer.
Escrevo,
Escrevo
E escrevo - não distraio.
Algum outro artifício?

Saio de um ônibus lotado às 18:00, deparo com uma menina morena de pele clara a ler para mais um proprietário da rua.
Lia alto e com vontade, sem medo do toque, do olho no olho ao olho no livro, desinteressava seus trajes, sua face tão marginalizada - e eu com aquele mesmo pensamento.
Amarrotado.
Sufocado.
Enrijecido.
Entorpecente e
Dilacerante.

Devia eu dizer?
Devia eu gritar?
Gritar o que?
Falar a quem?
No mesmo instante que passo pelos dois leitores, escuto uma única sentença.
- “ Apenas um túmulo que sempre está vazio.”

Sempre vazio.
A olhar meus passos, penso em escolhas humanas, na incompletude dos homens, na fugacidade e no pesar das decisões fugidias, na irracionalidade. O que eu estava querendo dizer-me?

Mais uma vez, chego em casa , jogo a mala e escrevo.
Lucas G.

Ei , tem alguém aí?



Eu percebi que gostava.
(Um verbo,
um ato,
uma sentença.)
Encarei a perspectiva de ter vontades,
e essas serem existentes.
Pelos cheiros, pelas cores e gostos,
- ilusões?

E do que eu gostava?
Gostava de ler, de escrever, de analisar os detalhes faciais de desconhecidos.
Amava os olhos, passar cola bastão na mão, o cheiro do jornal, brincar com cera de vela.
Sentia-me vivo ao ver-me necessário, jamais tive filtros e disso corrompeu meu caráter intenso.
Gostava de entender gestos, de dizer sem palavras, de amar em silêncio.
Amava um abraço bem dado, o tácito, o árduo – sempre fui sonhador.

Por outro lado, sempre quis dizer, expor, clarear, entender e definir - eu quis?
Mas há coisas que só a vida ensina,
e dela se aprende que nem tudo é tangível, que a persuasão em certos territórios não pisa,
que amor não é o mesmo que paixão, que costume é traiçoeiro e que diálogo só vale quando já não se pode silenciar.

Contudo, acredito que se reaprende e enxerga que o inesperado não se espera, acontece.
Que delimitações e convenções não existem e que
querer e gostar jamais foram complementos.

Eu gostava ou eu queria?
Se gostava ou se sonhava?
Existia ou escondia?
Do que eu gostava?

Parei de procurar respostas.
Hoje , eu só enxergo perguntas.
(Lembro-me, agora, da minha primeira cãibra e do sugar de uma correnteza)
Lucas G.

domingo, 16 de novembro de 2008

Será?

Quebra e
Constrói.
Rui e
Remonta.
Rói e
Realça.
Quando olhos enchem de água sem razão alguma,
e implodem da certeza
uma nova visão.

O que será que queriam me dizer?
Chama medo isso?
De dentro uma estranha sensação.
Lá fora, chovia.

Lucas G.

sábado, 15 de novembro de 2008

De você


Olho de desdém imaculado,
a voz sem estímulos,
o cansaço,
a normalidade - tão induzida.

Desimportância e inverdades.

Ainda se lembra da criança do pega-pega,
dos corruptos da praia da divisa,
das risadas, dos sonhos, de um medo.

Se lembra ainda como se joga água pra cima?
Como se canta em coro ?
Encantaram as luzes do céu...
Um prelúdio.

A vista.
Pele queimada.
Show de rock.
O abraço.
Gritos.

Mas os sinestésicos papéis tiram à fogo
a nostalgia do presente,
o terror do agora.
Deturpam o pesar de uma verdade inconveniente- é fácil .

Andam-se milhas e milhas, e ainda ao longe
um menino corre no campo das letras,
das escolhas perdidas,
do esfacelamento de ilusões.

Fuja .
Corra.
Pule.
Não olhe para trás, mas se
o fizer verá a hipócrita segurança
de um não-esquecimento.
Basta?

O tempo não havia parado.


Lucas G.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Um "Ai" de Albuquerque



Deu meu coração de ficar dolorido
Arrasado num profundo pranto
Deu meu coração de falar esperanto
Na esperança de ser compreendido


Deu meu coração equivocado
Deu de desbotar o colorido
Deu de sentir-se apagado
Desiluminado
Desacontecido


Deu meu coração de ficar abatido
De bater sem sentido
Meu coração surrado
Deu de arrancar o curativo
Deu de cutucar o machucado


Deu de inventar palavra
Pra curar de significado
O escuro aço denso do silêncio
No coração trespassado

(Ai / Kléber Albuquerque)

Lá onde Lua , barata e homem coexistem


Agora já faz frio na terra da garoa. A chuva limpou o céu e extraiu a lua de suas entranhas.
O sono chega, os pés molhados , a calça rasgada. A calça dobrada.
Tudo tão sólido, tudo tão sempre, tudo tão...
O cansaço bate e a música do celular pára.
Cinco segundos - acompanho o andar compulsivo de uma barata, olho de novo a Lua, olho a lua na asa da barata.
Um carro passa.
Devaneio - decido sentar.
O chão quente de um dia de calor e muitas solas. De todos os tamanhos , de todos os estilos e cores. Solas de saltos, solas de madeira, solas com merda, sola de pêlos - estou exausto.
Nas minhas costas, construções e á frente a rua e sua barata. Lá de cima, um homem de moleton vinho, calça rasgada, um colchão dobrado na mão direita e um papelão na mão esquerda, desce trocando alguns passos.
Percebo ele passar por mim. Sinto o cheiro de rua, de cidade, de estória.
Os cinco minutos dos papos de praça, que hoje, inexistem e a troca pela facilidade de se julgar a primeira vista.
Os dois se olham, ele com a cara fechada e eu com o sorriso patético daqueles que não tem nada a dizer.
Ali sentado, não julgo, não mexo. Invado.
A dualidade de um arrepio na espinha. A estranha felicidade de ter sido repelido e o anseio por diálogo. Aquele lugar não era meu território e daquele instante, a rua já não era só da barata. Já dentro da escuridão de uma casa fechada, o morador ajeita seu colchão e vai dormir após mais um dia, esperando, agora, não ser incomodado por admiradores da Lua e de baratas em volta de sua propriedade.
Lucas G.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Valsa um álbum de fotografia


Um empoeirado álbum e escolhas.
Cores dançavam nos soluços e amarguras esvaiam no descontrole.
As memórias, os anseios e os desejos trespassam o virar de papéis frios.


Roxo.
Azul.
Magenta.
Preto.


As voltas dançantes e o encanto da escuridão. A indiferença entre abrir e fechar os olhos, o chamar dos meandros – um véu a par e inebriante.
Sente-se o cheiro das cores. Elas formavam um nome e dali galgava-se...
Transpassava -se...
Sabia-se...


O olho que não vê, acostuma-se a olhar.
Ofusca, mas enxerga. Corrompe, mas ilude. E do que mais o ser humano vive, senão presságios? – a necessidade de sobrecarregar o futuro.


Azul.
Amarelo.
Vermelho.
Verde água.


A alegria que invade, pois se sonha - vibrantes, fortes, porém opacas.
As cores riscam a cara, sangram a pele, sugam.
Extinguem-se a qualquer movimento brusco. Não suportam o pesar das metáforas e nem o odor da ironia.


Criou-se uma valsa de cores nesse virar de páginas. Sentenciou-se a condição do homem pós-moderno nessa vã filosofia relativista.
Assim , as cores jorram, assim ainda se sonha, ainda se dança.
Assim ainda se mata.


Lucas G.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Epifania?


E sem mais, tudo se extingue. Como aquela vela, como o farelo na mesa de flores, como um pedido.
No lugar , o pano cobre a cara e esconde aquilo que não quer se ver - o quão assustador pode ser a superficialidade humana.
As duvidas já não existem. No futuro, apenas uma diferença - a mesma vista num rio de pedras e muita água.
Olha-se para trás e reconhece a sombra.

Lucas G.

A pedra e a rua


A pedra caiu. Atrapalhou o contingente de carros que passava naquela estrada movimentada numa noite de julho.
Atrapalhou?
Ela veio do alto do morro, da altura de um prédio de 25 andares; era grande demais pra ser levantada. O fluxo teria de ser interrompido.
Os andarilhos que viram a cena juravam que o monstro que marcava o chão e impedia o andar dos carros, desceu pequeno - um delicado pedregulho. Eles detalhavam em alto e bom som, a forma que inúmeros outros materiais agregaram-se aquela jovem forma rígida do alto do morro.
Desceu pesada, acertou quase 14 pessoas que tramitavam ao seu redor e, por fim marcou a rua.
A rua, estática e, por sua vez, também pedregosa, detinha, agora, um aspecto dilacerante. Talvez, aquele pedaço de asfalto abaixo de um morro, sempre soubera que, algum dia, não seria apenas carros a passarem velozes em suas curvas.
Talvez soubesse que marcas ainda se formariam, falhas em seus meandros. Sabia que algo ainda atrapalharia sua real função.
Mas caiu, e marcou fundo. Hoje, agentes da prefeitura da cidade metropolitana e as 14 pessoas quase feridas, tiraram a pedra de seu lugar – Um exímio trabalho de meses.
Refizeram toda a rua, e aquela estrada refez sua razão; os carros voltaram a passar e os andarilhos ainda contam a fascinante história nos bares à beirar a estrada.
Mesmo pavimentada, e com o seu rápido fluxo de volta ao normal, aquela rua jamais seria a mesma. Da estrada emanava uma história, e do seu asfalto, uma marca permanente. - machucados que tocaram. Toques que machucaram.
E a pedra?
Sólida e fria, continuou com grandes pedaços antigos do asfalto da velha estrada. Das conversas dos passantes, ouve-se, ainda, que ela continua a marcar outras ruas.
Quanto à rua?
Ainda se pergunta se preferia a pedra a marcar ou aquele velho fluxo de carros.



Lucas G.

Por não estarem distraídos


de Clarice Lispector

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.Como eles admiravam estarem juntos! Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto.No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Semáforos, semblantes e centelhas

O carro que, agora, galopava
em um trote descompassado.
Daqueles que as costas doíam
num céu de janeiro,
e o suor fazia bolhas nas mãos cuidadas
do menino urbano.

Segurava as rédeas,
mas delas não detinha controle,
guiava-se com a força dos ventos,
com o cheiro das árvores - imerso.
Nesse instante, o cavalo das quatro rodas metálicas
já nem fumaça soltava.

Nostálgica, a mente relembra a Nancy de Capote,
os acordes de Piaff,
a segurança da voz conhecida.
Corre e anda, sem olhar para trás
até um rio distante,
até um limiar,
até entender sua parabólica natureza.

Ele lembra da rua numa fria madrugada paulistana,
a sincronia das cores dos semáforos com os pés executivos.
Os galopes da “Ordem e Progesso”.
Os costumes, as certezas, o compasso.

Sua?
Era minha origem
- o coração pulsa –
Minha fala
- percebo um risco de luz no céu-
Retórica
- sentido de pertença.

Sempre fora eu?
Sou o que?
Sou o menino?
Mas logo eu!
Eu de tantos e
dos tantos em mim.

A definição me escapa
nas palavras de uma roda de samba.
Ele não era,
eu nunca fui,
somos muitos.
Os muitos das características normatizadas,
Das convenções,
Das idiossincrasias.
Eu era nós.
Nós dos tantos semblantes.
Porém uno, ao rever o cantar dos semáforos.
Eu era seu, quando vi aquela centelha no céu.

(Uma buzina e, em seguida, uma torre coberta de insul-film – estava próxima de casa)
Lucas G.