segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Shelter

Isto aqui não é carta, poesia , prosa ou conto com um final surpreendente. Aqui escrevo por um dia de fraqueza, um dia em que assumo a primeira pessoa, um dia em que não conseguiria colocar sentimentos meus em nomes de outrens. Não seria personagem feminino, não teria nome bíblico, não deixaria figuras de linguagem falarem por mim. Hoje, eu não conseguiria.

Um louco. Para muitos apenas artíficio, uma auto proteção ou algo para se contar numa roda de cerveja e passar por companheiro divertido. Para alguns, uma constante;não se lembrar, cair, quebrar alguma parte do corpo ou abraçar a privada enquanto amigos riem do lado de fora do banheiro.

Muitas vezes, sentenciam-me essa definição. A insanidade cuspida aos quatro ventos, a não moral, o desprendimento como resposta para um entendimento pifio e doloroso. E já com preguiça, passei a concordar e gostar disso.

Passaria eu a discordar de sinais tão expressivos de loucura? Criador de histórias - Certamente, nunca acredite na palavra de alguém que já passou a noite dentro de um carro na frente da casa do amado . Bipolaridade - Ainda há alguma dúvida? Vou de ápices de felicidade à pensamentos suicidas, um quebra cabeça kafkaniano. Infatilidade -Pois é, ainda acredito em livros. Claustrofóbico - ambientes fechados somente em casos de bebedeiras extremas. Por essas e tantas outras, evidencia-se que louco , em meu caso, é apenas apelido. Além dessas , acrescentaria a definição de importância regente ao meu eu, hoje, plenamente exaltado. Ironia - Sim, releia todo o parágrafo.

Loucura deveria ser artigo de luxo. E em meu caso, a loucura permeia atitudes altamente conhecidas, tanto para mim como para os poucos que, algum dia, tiveram o mínimo contato com ela. Não dormi na porta de amados, não sou de quebrar a cabeça e utilizo Kafka apenas para inspiração ou estudos acadêmicos.

No entanto, após um final de semana de fimes percebo que já consegui ter o gostinho da insanidade. Mas assumo que não cheguei perto de um final que eu julgasse de filme. Não convenci alguém com minhas palavras ou tive uma batida em minha porta da pessoa esperada ,em lágrimas, na calada da noite.

Afirmo que já senti o cheirinho gostoso de cartas, a esperança sensacional em lê-las, seguida após o fim do último parágrafo de um: "Puxa, quase lá! Quem sabe mais algumas provocações e não consigo o que quero?" E o que eu tanto quero encontro apenas em filmes. Por mais clichê que esta realidade seja, finais de filmes me suprem. E se no real , estes não existem. Que puta vida de merda.

Prefiro que os casos de uma semana que julgam me conhecer apontem o dedo em minha cara e continuem a me chamar de louco. Porra, muito mais legal. Ganho destaque e a auto estima vai a mil. Sem finais de filme, até o THE CHOSEN ONE perde a graça. E olha que esse há muito anda sem sal.

A permanência do trato frígido, a manutenção da filosofia do "foi bom enquanto durou" ou "o que tive com você nunca terei novamente" são enfadonhos e dignos de descrença.

Gente, originialidade nas relações amorosas. Se permitam a loucura. Vamos deixar "Querelle" no chão, fazer de Almodóvar um mero retratista do cotidiano humano. Vamos amar "pelicularmente" - entenderam a sacada?

Aqui vos fala, um jovem que pouco fez. Porém, alguém que consegue algum tipo de felicidade com ácidas doses de egocentrismo, um jovem que consegue deixar o medo de lado com algumas vodcas, alguém que ainda sabe chorar por amor.

O bode é tamanho, eu sei. Porra,fica mais fácil apertar o play - você chora da mesma forma e nunca com uma história sua. Conheço tanta gente assim...

Eu ainda sou chamado de louco

Lucas Galati

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Almas Gêmeas / Luiz Tatit

Se faço uma cara carente
É melhor me mimar
Se tenho expressão de doente
É melhor me curar
Se a minha cabeça está quente
Cê deve assoprar
E mesmo proposta indecente
Convém aceitar
Cê tem que cuidar
Cê tem que
Cê tem que evitar
Que a esta altura da vida
Eu despenque
Você me aparece sempre
Na hora certa
Você é a dependência
Que me liberta
E conserta


Se estou com frio
Você sabe o que é bom
Pra aquecer
Se estou vazio
Você vem preencher
Se desconfio
Você fala de um jeito
Que eu volto a crer
Se me arrepio
Você chega a tremer
Quando inicio
Você lá na frente
Põe fim, conclui!
Se sou vadio
Me substitui
Nunca uma dupla
Foi tão homogênea
Almas gêmeas!


Se faço uma cara de fome
Vem me alimentar
Se vivo morrendo de sede
É melhor me molhar
Se digo sempre a mesma coisa
É bom concordar
Se pensa ir embora pra sempre
É só me levar
Por onde cê for
Eu sigo
Não posso viver
Muito tempo
Sozinho comigo
Você é o chão seguro
Em que eu piso
Você é o que ainda resta
Do meu juízo
É isso


(a incerteza de um achado/ achado incerto/ certo não acho/ se ache certo/acerto)

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Pingente de ouro

Faço de ti, peça minha
Escapulário de Deus tão próprio.
Relíquias daquelas que adentram mar escuro,
já não pedindo voltar.
Ressuscito histórias e as prendo em pingente de ouro.

Sou maré,
conheço o som de ressaca.
Sou peça de mar e carrego em relicário contos antigos,
primeiros encontros.
De marinheiros pegos por Iemanjá, presos pela areia,
escondidos em parágrafos de Amado.

Escrevo por navegantes de pele escura e tatuagem no pescoço.
Homens que de tanta água se perderam em terra.
Homens que desconhecem leitura e,em tempo livre,
fazem poema de frente para a Lua

Homens de mulheres infindas, mas de única amada - Amor de terra distante.
Marinheiros que apenas desconhecem o caminho de voltar.
Vida de mar, retorno em samba. Em choro.
Assim são seus poemas,
Assim são suas marolas,
Assim são esses homens do cais.
Assim sou eu:
maré,
ressaca e amor.

Lucas G.
(poema dedicado à Constance Sotos, amiga que entendeu minha necessidade de solidão)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

E tenho dito...

Texto de Drauzio Varella na Folha do dia 4/12

Violência Contra Homossexuais

A HOMOSSEXUALIDADE é uma ilha cercada de ignorância por todos os lados. Nesse sentido, não existe aspecto do comportamento humano que se lhe compare.
Não há descrição de civilização alguma, de qualquer época, que não faça referência a mulheres e a homens homossexuais. Apesar de tal constatação, esse comportamento ainda é chamado de antinatural.

Os que assim o julgam partem do princípio de que a natureza (leia-se Deus) criou os órgãos sexuais para a procriação; portanto, qualquer relacionamento que não envolva pênis e vagina vai contra ela (ou Ele).

Se partirmos de princípio tão frágil, como justificar a prática de sexo anal entre heterossexuais? E o sexo oral? E o beijo na boca? Deus não teria criado a boca para comer e a língua para articular palavras?

Se a homossexualidade fosse apenas uma perversão humana, não seria encontrada em outros animais. Desde o início do século 20, no entanto, ela tem sido descrita em grande variedade de invertebrados e em vertebrados, como répteis, pássaros e mamíferos.

Em alguma fase da vida de virtualmente todas as espécies de pássaros, ocorrem interações homossexuais que, pelo menos entre os machos, ocasionalmente terminam em orgasmo e ejaculação.

Comportamento homossexual foi documentado em fêmeas e machos de ao menos 71 espécies de mamíferos, incluindo ratos, camundongos, hamsters, cobaias, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos, gado, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões, os reis da selva.

A homossexualidade entre primatas não humanos está fartamente documentada na literatura científica. Já em 1914, Hamilton publicou no "Journal of Animal Behaviour" um estudo sobre as tendências sexuais em macacos e babuínos, no qual descreveu intercursos com contato vaginal entre as fêmeas e penetração anal entre os machos dessas espécies. Em 1917, Kempf relatou observações semelhantes.

Masturbação mútua e penetração anal estão no repertório sexual de todos os primatas já estudados, inclusive bonobos e chimpanzés, nossos parentes mais próximos.

Considerar contra a natureza as práticas homossexuais da espécie humana é ignorar todo o conhecimento adquirido pelos etologistas em mais de um século de pesquisas.

Os que se sentem pessoalmente ofendidos pela existência de homossexuais talvez imaginem que eles escolheram pertencer a essa minoria por mero capricho. Quer dizer, num belo dia, pensaram: eu poderia ser heterossexual, mas, como sou sem-vergonha, prefiro me relacionar com pessoas do mesmo sexo.

Não sejamos ridículos; quem escolheria a homossexualidade se pudesse ser como a maioria dominante? Se a vida já é dura para os heterossexuais, imagine para os outros.
A sexualidade não admite opções, simplesmente se impõe. Podemos controlar nosso comportamento; o desejo, jamais. O desejo brota da alma humana, indomável como a água que despenca da cachoeira.

Mais antiga do que a roda, a homossexualidade é tão legítima e inevitável quanto a heterossexualidade. Reprimi-la é ato de violência que deve ser punido de forma exemplar, como alguns países o fazem com o racismo.

Os que se sentem ultrajados pela presença de homossexuais que procurem no âmago das próprias inclinações sexuais as razões para justificar o ultraje. Ao contrário dos conturbados e inseguros, mulheres e homens em paz com a sexualidade pessoal aceitam a alheia com respeito e naturalidade.

Negar a pessoas do mesmo sexo permissão para viverem em uniões estáveis com os mesmos direitos das uniões heterossexuais é uma imposição abusiva que vai contra os princípios mais elementares de justiça social.

Os pastores de almas que se opõem ao casamento entre homossexuais têm o direito de recomendar a seus rebanhos que não o façam, mas não podem ser nazistas a ponto de pretender impor sua vontade aos mais esclarecidos.

Afinal, caro leitor, a menos que suas noites sejam atormentadas por fantasias sexuais inconfessáveis, que diferença faz se a colega de escritório é apaixonada por uma mulher? Se o vizinho dorme com outro homem? Se, ao morrer, o apartamento dele será herdado por um sobrinho ou pelo companheiro com quem viveu por 30 anos?