quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Grande Chico Mineiro

'Fizemos a última viagem
Foi lá pro sertão de Goiás.
Foi eu e o Chico Mineiro
também foi um capataz.
Viajemo muitos dias
pra chegar em Ouro Fino
aonde nós passemo a noite
numa festa do Divino.

A festa estava tão boa
mas antes não tivesse ido
o Chico foi baleado
por um homem desconhecido.

Larguei de comprar boiada.
Mataram meu companheiro.
Acabou-se o som da viola,
acabou-se o Chico Mineiro.

Depois daquela tragédia
fiquei mais aborrecido.
Não sabia da nossa amizade
porque nós dois era unido.
Quando vi seus documentom
e cortou o coração
de sabê que o Chico Mineiro
era meu legítimo irmão."

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

" O meio, filosofemos, é um ouriço invertido: em vez da explosão divergente dos dardos - uma convergência de pontas ao redor. Através dos embaraços pungentes cumpre descobrir o meato de passagem, ou aceitar a luta desigual da epiderme contra as puas. Em geral, prefere-se o meato."
Trecho de O Ateneu de Raul Pompéia


(Por muito, fui de frente com os espinhos. Mas o sangue jorrava intensamente e tive de optar pelo meato - pois quanto tempo perdido).
" Tudo isso para um simples bom exemplo"

Lucas G.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Fim do dia



Desaviso e
a chuva cai.
Agiliza os passos,
Abrem guarda-chuvas
Mas é água forte.

Enegrece lá de cima,
Alguns desistem,
Outros correm como ratos pestilentos
Em busca de um bueiro transbordado por
Outros de sua espécie.

Há aqueles apaixonados que dançam,
Há os decrépitos em passos ritmados,
Do medo da água até os marginalizados correm.

A vista de dentro de um ônibus em meio ao
Movimento da rua era música.
Som de alta qualidade,
Era barulho humano ,
Torrencial,
Fugaz e cheirava a mofo.
O calor, as tosses, espirros e as janelas fechadas
Fazia dos de dentro sinônimo dos de fora.

Dos blocos humanos temerosos tudo se via.
Bastava um ponto de ônibus e um emaranhado de
Tribos, gostos, tendências e cheiros surgia.

De dentro do sufocante paquiderme,
Outra unidade transparecia.
Os molhados , os secos, os velhos, os cansados,
Os jovens, as noivas.
Ali tudo tornou-se uno,
Singular e existente.

Entre o secar de uma gota de suor e
A baba escorrendo da boca do velho cansado,
Um menino sussurra no ouvido de sua mãe:
O que seria se chovesse todos os dias assim ?

Lucas G.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Soneto da Rosa de Vinicius de Moraes

"Mais um ano na estrada percorrida
Vem, como o astro matinal, que a adora
Molhar de puras lágrimas de aurora
A morna rosa escura e apetecida.

E da fragrante tepidez sonora
No recesso, como ávida ferida
Guardar o plasma múltiplo da vida
Que a faz materna e plácida, e agora

Rosa geral de sonho e plenitude
Transforma em novas rosas de beleza
Em novas rosas de carnal virtude

Para que o sonho viva da certeza
Para que o tempo da paixão não mude
Para que se una o verbo à natureza. "

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Carne e osso



Por fim, fico nas risadas.
Muitas e, agora, quase sempre.
Fui a criança que acreditou em contos de fada,
Fui o pequeno a achar que era oco por dentro.

De balelas e tombos,
De balinhas e contos
Fiz de minha maior mentira
porta retrato.

A busca ansiosa por um
sentido nos quadros de Dalí,
A leitura dos livros de ponta cabeça,
o ranger de uma porta e a entrada num mundo particular
- Só meu e dos tantos bonecos
Quis viver e experimentar tudo e a todo instante.

(Um corte de faca,
O cheiro da lima,
Os pés descalços na grama ,
A chuva fria no corpo amanhecido,
Um beijo,
Desenhos vindos do fundo de minha imaginação.)

Sempre fui contrário a mim mesmo,
Busquei meus próprios desafios,
e quando não os tinha, criava.
Encravei-me num eu tão desconhecido.
Um eu que sei habitar ainda meu fundo,
Um eu meu.
Do âmago,
do sem ,
da dúvida.
Mas o tempo não corre contrário e cresci.

Pelas histórias noturnas, pelas palavras,
Por essência,
pela metáfora ou descobrimento, talvez?
Por sentimentos e
falhas definições
Carrego comigo,
Respeito solene.
-Para com o que sinto,
Para minha realidade gritante e criada,
Pelo meu prazer antagônico,
Por minha felicidade transviada.

Sou honesto?
E não me escondo nos enganos?
Estou certo?
Há sentido?
Obssesivo?
Amante?
Amado?
Humano?

Há pouco achava que nem pernas tinha,
Mas não.
Sou homem do asfalto,
sou aquele das ilusões arraigadas,
porém,
do olho com fria seriedade e
sem mais os barulhos de soco feitos com a boca,
sem mais o colo em uma noite sem sono.

Poderia ainda?
Talvez.
Optei e entendi que
vontades maiores urravam,
Eu começava a sangrar de dentro
E não queria mais meus encantados sonhos e
As lindas figuras da edição dos Irmãos Grimm.

Queria me entender.
Arrisquei uma luta injusta entre sonhos e reflexo.
E mesmo com tão pouca experiência,
nunca encontrei ser algum que tivesse
dentro de si tão difícil combinação.
Nas mãos as marcas dos tantos cumprimentos
ainda permanecem.
Por mim já achei terem passado sonhadores,
não sei ao certo se algum dia realmente os vi.
Certeza tenho, que os cortes foram das mãos de aço, dos homens dos trotes,
dos óculos escuros.
Desses vê-se sempre aos bandos.

Hoje, ainda reluto para encontrar os tais sonhadores.
Meus reais oníricos,
pois palavras e grandes discursos nada me dizem,
enquanto o que vejo é a mesma criança
tremendo com medo da surra do pai.
Quero a marca da mão de alguém invisível,
alguém com os pés fixados em sonhos.
E só.
Alguém sem jeito, sem forma.
Quero alguém da surpresa diária, de um acordar repetino,
quero o cumprimento desses homens sem sombras.
Se não eles, então apenas um
que tenha um pé nos sonhos e outro em realidade.
E com consciência disso.
Sendo, existindo , vivendo e não
mais fosco e enquadrado.

Cresci e,hoje, rio.
Sem razão , sem motivo ,
Desacreditando nas definições e
Na facilidade de se julgar amante,
Apaixonado, louco de amor.
Desconfio das marcas,
não sei se já posso ser.
Não sei se já vi alguém sendo.
Existe divisores?
marcações?
[tornei-me vulto,
tranformei-me em karma.

Digo que já senti.
Apenas.
Será isso o que chamam de amor?
Desconfio pelos finais.
Sou o inverso, se lembra?
Amor não é sem fim?
Se ajoelha por amor?
Assim?
Tem hora para acontecer?
Isso tudo existe?
Os olhos da infância haviam me deixado.
Mesmo?
Ás vezes ainda retornam,
quando grita um aperto de saudade ou a sensação gostosa
De ter alguém do seu lado.
Mas são poucas e já nem sei se os posso caracterizar assim.

Se me permito sentir?
Mas do que nunca, hoje, eu vivo.
Do real e de minhas risadas e
Deixo os sonhos para os perdidos,
Para os desacreditados,
para os deconhecidos.
Hoje, busco nos meus, cenas reais.
Sinto carne,
Sou homem de sangue e não de nuvens.
Se é certo ser assim?
Não há certo ou errado.
Apenas experiências, ilusões e
marcas.
(O tom tinha de mudar, as risadas transbordavam do papel sem cor)


Lucas G.

Palavras de Carlos Drummond de Andrade

"Os ombros suportam o mundo
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação."

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Erradicado



Talvez, te perdi em minha maior indagação.
Você apareceu com mesmo nome,
mas de outros olhares.
E despertou uma vontade tão esquecida:
A de conhecer.

Fez eu relembrar a ânsia de um encontro
- o sabor inesperado arrancado de mim.
Você rasurou minha cabeça,
Rabiscou e infringiu meus dogmas,
E duma noite e de repente.

Foi você quem me olhou,
você quem fez eu me contentar com um reflexo ofuscado,
esquecido e apagado.
Você instaurou um começo,
e não pensou em finais.
Deixou-me com o sabor de uma vírgula
e um cheiro de interrogativa
- Há quanto fazia...

Sua destreza e simpatia fizeram-me desejado,
Sua forma , sua maneira foi meu copo cheio.
Copo este que há muito vazio permanecia.

Porém, sou vagaroso,
Sou aquele que teme as palavras,
as letras, eu erro sentidos.
Sou alguém que desacredita,
Que inibe e que inverte.

Sou imperfeito como tantos,
Sou temeroso como todos,
Mas fui querido como poucos.
Talvez , numa noite ...
Quem sabe , mudanças.
Mas fui , e á mim isso basta.

Foi você que no sol de um outro dia
Fez eu deixar a rasura e virar desenho
-Surrealista, impreciso,
mas afogado em tantas vontades.

Obrigado...

Lucas G.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Indagações



Já não sinto, ou melhor, já não sei se sinto. Cansei de bonitos relatos de papel e após uma piscada dobrá-los e arremessar pela janela. Sinto que não sou aquele de meus textos, leio o relato de outros, leio o que eu mesmo escrevo e me irrito. Cheguei a um ponto que olho e vejo mentira e cegueira inata. As semelhanças me perturbam, as palavras copiadas deixam-me inquieto, a facilidade de poder vestir a máscara e redigir uma linda fábula estilhaça-me.
O clichê das perguntas sem respostas até quando? Sim , quero ser uma pergunta. Certamente, não vislumbro definições, mas não será isso um ótimo esconderijo? Até quando essa mesma repetição? O quanto vale uma epifania?
Por outro lado, eu cansei de lidar e ser pedra. Não quero rolar por aí e passar por caminhos ainda tão desconhecidos. Ao mesmo tempo, não anseio um lugar seguro. Olha lá eu, pensando em tudo e vivendo nada. Será que eu realmente nada vivo? Sei que já não vivi, hoje, digo apenas que não sei o que quero.
Acredito na dúvida, acho importante pessoas preservarem essa capacidade, porém me enojo cada dia mais com a mentira, com o teatro , com a superficialidade, com o discurso comprado. Eu cansei disso, eu não suporto mais ser passional.
Queria um botão de reset, poder esquecer quando necessário. Minhas mágoas vêm gritando sem controle e sem razão. Queria não saber, não sentir, não agüento mais me perguntar. Será que nesse mundo existe alguém que simplesmente seja? Alguém que não se pergunte? Que durma assim que fechou os olhos? Será que nessa vida, existe uma pessoa que olhe para você e consiga ser sincero?
Sentimentos que nada definem . Que nem sei se existem. Nos últimos tempos, raiva , muita raiva. Definições atrás de definições. Imaturidade, ingenuidade, infantilidade. Eu cansei do igual, eu não suporto mais o sempre. Surpresas ainda existem, mas por que tão poucas em minha vida?
Me sinto como um rato a girar dentro de uma gaiola. Sou uma interrogação que vaga no mesmo, num escuro inevitável. Sou aquele que ainda segura estátuas. Tento me convencer e aceitar, mas por que ainda persiste essa minha ânsia? Quanto mais me diferencio, mas igual me torno. E como se acha alguém assim?
Como podem dizer que o amor existe? Vejo prepotência em tudo, seres que acham ser, mas que simplesmente existem e só. Arrogância a cada estilhaçar de folhas secas. Encontrar alguém para poder se desconhecer. Dizer amar alguém por que não se contenta com o reflexo e por não se enxergar, prefere só ver o outro. E isso é amor? Isso é fuga e nem as palavras escondem.

Lucas G.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Pormenor?



Cliva,
Crava,
Craveja,
Crédulo.

Constipa,
Retorce,
Amarga,
Culpa.

Sem jeito,
Salobro,
Solstício,
Sangria.

Corta,
Corteja,
Retorna,
Recíproca.

Rasga,
Ri,
Rui e
Raiva.
Raiva.
Vida.

Ávida,

rubra...
Lucas G.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Realidade de folhas secas



Levanto na empolgação de um sonho de final abrupto, passo a mão em minha face e já nem pele mais sinto, as espinhas cessaram e todas as deformidades e traumas juvenis foram tapados por pêlos e mais camadas de pele. Olho no espelho e vejo as fundas marcas do tempo, os dentes amarelados dos tantos cigarros da boêmia, a troca capilar, as rugas, orelhas enormes, um nariz desconexo e tão diferente daquele das fotos.
Eu estava velho. Por dentro e por fora. Meus papos eram antiquados, ouvia de meus netos gírias esdrúxulas e já nem sabia que língua estavam falando. Passei por inovações e inúmeros adventos e sou obrigado a admitir que até hoje não entendo um CD ou a utilidade de um pen-drive. Mas falar isso só me entristece, vejo que o tempo passou e eu lá atrás fiquei.
Hoje, visitam-me por simples consideração, me acham chato e com razão. Não entendem meu saudosismo: minha vitrola, meus discos, não sabem o que é um diário. Dizer que sou da época dos coretos, das cantadas, da subjetividade se tornou motivo para gargalhadas; fator altamente compreensível sabendo que, nesses tempos, mulheres com a bunda de fora são altamente visadas e nos rádios ouve-se apenas músicas em inglês ou de refrão perturbador.
Uma vez me perguntaram se fui feliz? E disse que fui, mas do meu jeito. Para esses olhares tecnocráticos minha vida não se passou de uma bonita história de um livro lido na Internet. Porém, sou do tempo dos poemas, dos sentimentos ditos, do gostar. Eu nasci num tempo em que se sonhava na pessoa amada e não com uma das tantas da noite.
No passado, não havia tantas. O homem respeitava e se inebriava com a sutileza do ar feminino, com a graça de um andar precavido, com um leve sorriso e uma olhadela. A música alta era marchinha no Carnaval, os tantos adjetivos e classificações eram vistos apenas nos livros, buzinas eram fofocas, o fácil era difícil. Muito difícil.
Ai mais quanta saudade. Digo que fui feliz, pois amei demais. Fiz minha vida, criei dois filhos com boa cabeça e perspectiva. Hoje, tenho netos e minhas lembranças. Meu único amor foi embora. Mas nunca estive sozinho, ela nunca quis partir. Ficou comigo nas flores, nas nuvens, nos pássaros. Ela anda nos cheiros, nos lenços, nas fotos.
Jamais esquecerei o primeiro olhar, o medo de viver o que sentíamos, ter de conhecer a família, a nossa primeira viagem, o casamento, o sexo. Eu me via nela e com sua morte foi junto um pedaço de mim. Mas sei que venho reconstruindo essa lasca até o dia que realmente puder reencontrá-la.
Eu fui muito feliz sim. Vivo no passado, pois meu eu é nostálgico. E nada nessa vida mundana faz eu querer encontrar no presente meu passado. Muito menos querer viver esse presente e ter as memórias só na cabeça. Eu sou antigo por opção e tenho total consciência disso.


Lucas G.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Um trauma chamado sonho



Enxergo diferenças numa vida de sonhos e uma vida de traumas.
E desta distinção, diria que ambas podem levar a um final equânime.
São diferenças em semelhanças.
E semelhanças tão diferentes.
Dos dois conceitos , talvez, interligados, desconexos, opostos, ou mesmo, sequenciais delimito a mesma distinção vista entre um astrônomo e um astronauta.
O primeiro do seguro estuda o longínquo e o desconhecido.
O segundo vai ao longíquo para retratar o seu seguro.
E qual será o caminho mais fácil? Existe?


Caminhos... Não diria.
Talvez, refúgios e comodidade .
E tantos,
e sempre.
Talvez, gritos e imagens.
necessários e puljantes.


Escuro e claridade,
covardia e crença,
verdade e mentira,
poesia e crônica.


Passam os tantos conceitos
criados,
minha cabeça os retorce e
finje aceitar.


E por ouvir,
e por calar,
e por dizer,
e por sentir,
sei que talvez não fosse
tão astrônomo quanto eu pensava.
Minha alma era de astronauta e
não buscava um lugar seguro.


Lucas G.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Canto em qualquer canto/ Itamar Assumpção e Ná Ozzetti



" Vim cantar sobre essa terra
Antes de mais nada aviso
Trago facão, paixão crua
E bons rocks no arquivo
Tem gente que pira e berra
Eu já canto pio e silvo
Se fosse minha essa rua
O pé de ipê estava vivo

Pro topo daquela serra
Vamos nós dois vídeo e livros
Vou ficar na minha e sua
Isso é mais que bom motivo
Gorjearei pela terra
Para dar e ter alívio
Gorjeando eu fico nua
Entre o choro e o riso

Pintassilga, pomba, mélroa
Águia lá do paraíso
Passarim, mundo da lua
Quando não trino não sirvo
Caso a bela com a fera
Canto porque é preciso
Porque essa vida é árdua
Prá não perder o juízo"

Boneco de pano

Sou um boneco de pano,dos retalhos coloridos e de mangas de veludo. Nos ombros do menino,
já fui tão pesado que era necessário pontas de pé e costas arqueadas para ser posto no armário.
Já levei vomitada, já fui tacado pela janela e mordido pelo cachorro. "Saudades dessa fase!"
Porém em seu colo, hoje, sou leve quanto uma pluma, passo muito mais tempo na estante e tenho de admitir que algumas traças e ácaros há tempos fazem parte de minha vestimenta.
O meu menino cresceu. Hoje é homem de pernas grandes e sorriso completo.
Sim, sou um boneco realizado. Sempre tive a certeza que meu prazo era curto, fui companheiro na hora de dormir, passei a ser um gigante mostruoso na fase dos bonequinhos, quase fui entregue a um primeiro amor.
Dentro de mim sempre uma inquietação permaneceu: O medo da estante. Contudo, quando se faz parte dela, entende-se que se ainda nela você está, existe uma razão pra isso. Minha razão não havia sido descoberta, até ontem.
Já era tarde da noite e tinha ouvido muito barulho lá debaixo. Certamente, jamais saberia o que tinha acontecido. Pareciam risadas ou choros muito intensos. Não dava para definir.
Na casa de meu menino sabia que de jovem apenas ele existia. Passava bastante tempo no quarto lendo e sempre era chamado por gritos anunciando o jantar ou o almoço.
Tinha uma mãe linda, um pai bastante jovem e uma mulher que aparecia esporadicamente com um chumaço de plumas e aliviava a quantidade de parasitas em meu corpo.
Estranhei quando meu menino entrou no quarto chorando demais no meio da noite. Aquela cena já não via há mais ou menos quatro anos. Ele bofeteou a porta de seu quarto e começou a andar igual uma barata tonta, sem conseguir dizer nada e com as mãos em sua cabeça parecendo arrancar os cabelos. Chorava compulsivamente e parecia procurar alguma coisa.
Foi quando ele me olha no fundo da estante e mais lágrimas passam a escorrer de sua face. Ele me puxa de lá e me abraça com uma força poucas vezes sentida. Deita em sua cama e me diz aos soluços:
- Saudades do último presente que ele me deu! Você é meu e pra sempre!
Havia entendido minha razão e nunca mais dormi na estante.

Lucas G.

sábado, 10 de janeiro de 2009

De cá



Aqui do oposto,
Os dedos desenham em água.
De ondulações e resíduos
Compõe-se a escrita e
Dos atentos
identidade.

Em muitos, o som da garganta
Deixou de sair.
As cores e risadas deram lugar
Á dúvidas e algumas tantas descrenças.

Já não se sabe se é dizendo
Que se entende,
ou se é melhor
O costumeiro desenho aquático.

Os de cá, fazem seus próprios
Segredos.
Não moram, transitam e entorpecem o
Irreal com uma certeza;
transcrevem o impossível.
- implode ansiedade.

Ali, todos entram,
Pois não existe.
Criado, alguns só chegam
Quando os olhos fecham
E a consciência chega ao fundo.

De cá, as pessoas não vivem,
Pois não sabem definir.
Duvidam do significado de
Uma resposta, passam
Beirando mais perguntas e fazendo
Delas suas pegadas.

Não há divisões, apenas vontades.
Não há níveis, são apenas
Cores forte vibrando
Das veias,
De dentro do inominável ,
De galhos e raízes,
De sangue e cicatrizes.

De cá, não se pensa.
Sem pensar também se é,
Porém a face aqui escorre,
O líquido ocular solta como
Um velho selo.

Vivem de frente,
e todos avistam de longe
o rasgo do peito.
Se enxergam , sofrem,
Já não dormiram e ainda olham
Um fim de tarde com grande beleza.

Lucas G.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Dali



Por aquelas bandas, o ar é rarefeito.
E as pedras são de tamanha espessura
que nem água mais passa.
Tudo ali é intacto
e o pó nem mais se acumula
- Por lá, as coisas já não se repetem.

Os que adentraram
Dizem que ali nada acontece,
Que tudo
simplesmente existe.
Que se é somente,
E sendo, a vida
Transpassa limiares e
Extingue o tocável.

As flautas dali
São feitas de nuvens.
Músicas que não se dança,
Ritmo que se sonha.
Apenas e só.


Não se sabe
se de lá de dentro
Habita-se a normalidade,
Ou se por ela, a claridade entra com mais facilidade.
Ainda assim,
Os de lá,
Do outro lado,
Do extremo,
Aqueles do oposto,
Quando ali caminham,
Vagueiam sem ver um palmo a sua frente.

E dos toques fazem-se os olhos,
A íris recria e inverte na tranqüilidade
De não saber onde se está.

Das paredes
Criou-se as caras.
Da rigidez de pedra,
Do ferro e cimento.
(As lágrimas da armadura nunca saem.)

Dentro da pele,
Ultrapassando os ossos,
Os mascarados homens,
Carregam uma maldição:
O coração mais vulnerável de todo o mundo.

A seriedade de uma alegria incabível.
A tristeza em risadas.
Os abraços dos olhos fechados.
As lágrimas de argila.

O desespero habita?
A resposta é a mesma encontrada
Na adstringência de uma fruta.
A si... nada,
aos outros...
Sim,
nestes os ombros sempre carregados de culpas.

E o coração em ritmo desenfreado.
Lucas G.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Fernando Pessoa

Ah, a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refúgio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros,
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que não vinha.
Sou livre, contra a sociedade organizada e vestida.
Estou nu, e mergulho na água da minha imaginação.
É tarde para eu estar em qualquer dos dois pontos onde estaria à mesma hora,
Deliberadamente à mesma hora...
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida!
Até não consigo acender o cigarro seguinte...
Se é um gesto,
Fique com os outros, que me esperam, no desencontro que é a vida.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Ela



Num dia como qualquer outro, ela abre um estojo empoeirado de maquiagem, pega o secador portátil na última gaveta do banheiro, tira a escova que há muito desaprendeu a passar e se olha no espelho.
Parecia que tinha acabado de acordar, mas o relógio já marcava dez e meia da noite. Espreme alguns cravos, acende a luz do espelho, abaixa na mesma gaveta onde o secador jazia e tira uma pinça.
A cada fio, os olhos se fechavam em leves espasmos e com isso reconhecia a dor da adolescência. Sentia no arrancar de pêlos os tantos anos em que essa mesma ação já nem era mais sentida.Com o buço já bastante vermelho, pára , espreme outros cravos de seu nariz e levemente passa a escova em seu cabelo bastante grisalho.
Mãos e pentes há muito haviam deixado de acariciar aquela cabeça. Um cabelo seco e morto banhado a água quente junto ao xampu mais barato da farmácia ao lado de sua casa.
Ela já não tinha mais sexo, perdera seu nome, seu jeito, ela esquecera quem fora, já não sabia a diferença entre ser triste ou feliz. Alguns dizem que ela já não sentia.
Porém, naquele dia, talvez terça ou sexta, domingo ou segunda, ela tinha voltado a olhar o espelho. Ela se cutucava, ela queria mudar aquilo que via, portanto algo a incomodava. Escova e lágrimas, dos olhos azuis saltavam a água mais pura, ela estava ouvindo seu coração bater, de algum lugar brotava vida.
Pega o secador, liga na tomada e sente o vento e o calor em sua cara. Arrepia-se com a brisa em cada fio de seu cabelo e relembra seu pai e os tantos tombos de bicicleta. Ele atrás gritando palavras de força á filha do pedalar bambo e o vento assoviando em sua orelha.
Aos poucos, aquela velha alma vai perfilando e adentrando um território desconhecido. Passa sombra, desenha vermelho na boca, contorna os olhos, realça o azul, passa fio dental, escova os dentes, colori as unhas, espreme mais cravos.
Para ela, era outra. Para os outros, era ela em outra. Apesar do horário, arriscou andar na rua e finalmente passou despercebida. Sua aparência já não repugnava, as pessoas que a conheciam olhavam fixamente, mas achavam que não podia ser verdade tudo aquilo.
Volta em seu apartamento, tira toda maquiagem , recorta, desmonta, retrai, suja, remonta. E ao se olhar no espelho, entende o seu prazer, o seu sexo, o seu. Ela não era uma , não era feia, feliz ou triste. Ela era dúbia, bonita e feia, amarga e doce, suja e limpa. Ela era.
Queria máscaras e mentiras. Queria lembranças e verdades. Queria sonhos e feiúras. Queria o desconhecido, queria ser olhada e não ser entendida.
Ao colocar sua cabeça no travesseiro, tinha certeza que aquilo não mudaria. Amanhã às dez e meia, ela iria se olhar no espelho mais uma vez.

Lucas G.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Meio amargo

Era doce.
Doce de papel.
Pequeno, colorido.
Era doce de gotas.
De segundos.

Ingere-se e sonha.
Engole e se é.
Sem controle,
De máscaras caídas,
De conversas dispersas
E inteligíveis.

No entardecer,
As dunas ganham almas.
E da paisagem uma grande
Exposição de quadros.
Feitas daquele momento,
No meio e do meio – era ali que me encontrava.

Aflora-se personalidades,
E a essência dos homens transita
Junto ao escovar de dentes.
As cores vibram e os toques queimam.

O doce, de gosto amargo
Trouxe consigo a sensação de se andar em argila,
De sentir grãos litorâneos na face,
De querer entrar no quente,
Trouxe uma busca ao centro da terra.

Trouxe também
Risos, altos, sem sentido e veementes.
De uma força
Que não cabia nas flexões do abdômen e nem
Em lágrimas alegres.
Trouxe inquietação, medo e instabilidade.
Vontades inconstantes e jamais satisfeitas.

O doce,
De papel colorido
Trouxe-me dos dedos
A boca, dos passos ao nada,
Mostrou-me a fome inexistente.

Reconheci-me nos outros
Na facilidade de um assovio.
E mais cores, tantas cores.
Insônia, sons e vontades.

Ao final, os olhos fecham
E tudo pára.
Fica apenas o som do meio do
Peito que
Progride, propaga e incomoda.
A cabeça pensava, sem seqüência,
Disforme.
E foi assim.
Sem uma noite, sem sono,
De olhos fechados.

Talvez, sempre assim.

Lucas G.

domingo, 4 de janeiro de 2009

(Auto)Crítica



Talvez , tenha exposto demais.
E a tudo sempre expus-me.
Ao caderno de garranchos,
Vou além.Muito além.
Sou mais do que palavras
Encravadas numa árvore pelo canivete velho.

Sou aquém ,
O cavalheiro mau ouvido,
Os soslaios. Sou uma gota.

Não quero lembranças bonitas,
Chegar ao final de um livro e nada reter.
Fica insoso,
Seca,
Esvai.

Quero poder criticar, mas com estilo.
Quero saber e dizer. Ou melhor: quero gritar.
Se sei, posso fazer isso.
Arrogância seria se dessa estrofe
só verdades existissem.

Sou aquele que sabe e oculta,
Aquele que não diz por receio,
Que se resigna.
Em sonhos, já adormeci em bueiros,
Fui esquecido em páginas,
Travei lutas contra um espelho – vê-se pode?

Encanto com o rebuscamento,
Sou arcaico de espírito jovem.
Busco vagar tanto e sempre.
Na intermitente instabilidade de um ser
Volátil e
Incessante.

Porém as raízes facilmente me encantam.
Admiro quieto,
Utilizo-me das palavras
Quando o pensar machuca a cabeça
E se quer gorfar.
Sou um usuário das letras,
Que para se utilizar deste artifício
Tanto relutou.
Ouve-se muita coisa quando se opta.
Já disse muita coisa perante o adverso.
(Lá vai instabilidade de novo!)

Sou fala e verso,
Sou urro e vago,
Sou letra e sangue.

Agora, neste instante,
De alma purificada por areias tão brancas,
Digo e peço que se tenho ou quero ouvir
Vozes que , antes de qualquer preâmbulo,
Que dentro da sincronia tão única de uma língua,
estas façam o dito respeitoso.

Não gaste a beleza de palavras com seres
Que mal acham o caminho de casa.
Vozes estão longe de escritos,
E ouvidos são leves quanto o vento.


Lucas G.

Longe e bem longe

Minha vontade era apenas chegar aos confins. Ao distante necessário e suficiente para ver a mudança da vegetação, a chuva encobrindo o sol e este esquentando a boca da criança que engolia junto à risadas as primeiras gotas de um chuvisco matutino.
Na ida os comentários variavam entre “Relaxas” e freqüentemente saltava a cabeça as longas vinte horas. Queria um lugar distante, com pessoas diferentes e de uma beleza jamais vista - e por ter conseguido, a quantidade de horas, naquele instante, era de pouca importância.
Itaúnas, não veio apenas como tudo o que eu esperava. Foi mais do que isso. Foi como um abraço materno ou o balançar na rede em um entardecer,diria até, a sensação de água salgada na boca. Itaúnas foi além de tudo, foi aquilo que precisava. Foi, enfim, meu sossego.
Não mereci o decorrer do passado, mas tiro dele grandes estórias e algumas verdades e vejo o quanto foi necessário. Ter, hoje, a chave de tantas portas e carregar consigo o ritmo de tantos corações transformou 2008 em uma tatuagem, e não mais uma cicatriz.
Nesse final de ano, outros tapas e mais caixinhas . Dessa intermitência, detive a beleza de ainda poder esperar, de ainda poder acreditar no improvável e saber que o mundo é muito maior do que minha vida, e minha vida jamais pode se equiparar ao mundo.
Lidar com seis novas pessoas, transitando entre diferenças e semelhanças durante dez dias foi minha última caixa a ser aberta. Das peças ali de dentro , pouco conhecia, porém sentir delas o carinho, o conforto, o respeito, valeu mais do que palavras formalmente ditas ou reciprocidades desejadas. Foi um movimento natural, o último pincelar de um quadro surrealista. Minhas verdades, meus dogmas e realidades não eram sólidos - mesmo eu tendo os querido assim.
Areia, aranhas, aromas, amores, armas. Encontrei sentidos, Itaúnas trouxe à tona minhas características perdidas e uma saída de frente, com os olhos bem abertos, ao ano passado e um passo bem sujo de terra molhada ao ano que adentra.
Ganhei flores, amizades e coragem. Não havia mais dúvidas, Itaúnas mostrou-me um caminho. E não era mais de terra batida. Era novo. Um novo desconhecido – era arrepio, era fresco e galgável.

Lucas G.