quarta-feira, 29 de julho de 2009

Passado vivo, estória de morro

A casa do toque da mulher. O toque a cada canto. O canto e uma estória. Um enredo de tantos cantos. Dos finais incertos. Um tecido; uma miscelânea regada a café com leite e queijo meio cura.
Lá, era o amor exalando dos tecidos. De móveis pensados, da vista do morro - Alto, grande e deles. A casa- memória pulsava em lágrimas discretas da senhora sentada no banco de madeira no fundo da praça. A senhora esquecida engolfada nas memórias da mulher querida. Da mulher de um só toque. Toque que as palavras não descreviam. De lágrimas que caíam.
Passado. E lágrima vivida. Era sentimento da nascente. Uma dor de dentro do peito. Dor funda. Saudade do que já não se tinha.
Hoje, ela acoberta o morro, esteia sol. Contadora de estórias protege o cerrado e vive em cada ladrinho daquele lugar entre Corinto e Curvelo.

Lucas G.

Sertão de coração menino


Alexandre: palavras de gente crescida num corpo de menino sertão. As mãos de terra, pés de homem feito e coração de chita.

Sobe na árvore de grossa casca como trepadeira naquela casa antiga, como voçoroca rasgando o cume do morro. Em fragmentos, em pedrinhas de cores e texturas - Quartzo, ardósia, ouro.
Boca cheia. Menino de sabor sedento, de palavras transviadas, de hiatos precisos e, no geral, fala constante. Fala de ritmos mineiros. Palavra cantada – do pequeno à anciã. Assim era Minas. Assim era o menino. Um grude conciso pela dissociação. Nós, das peles cuidadas e das tantas alergias. Eles, das sandálias, do forró e dos pés de terra. Unidos num tempo de dois dias, um lusco fusco e o cuspir do cerrado.

Bioma intelecto. Aprendeu a usar o fogo e, agora, o cospe em formato de Sol.


Lucas G.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Contato primeiro

Oito passos de rua, casa pequena, sobrado - gostinho de interior. Primavera, de cor da laranja, de roxo, de rosa. Planta e flor. Mistura o toque de mulher, a primavera e o pequeno alado beijando as pétalas.
Ao fundo, batidas. Batidas e o morro. O morro ao fundo e o som – personagem principal. Sol na cabeça, limpa uma gotinha de suor que cai até a ponta do nariz. A batida, agora, ao fundo e o morro em frente. Apenas e só.
Batida enorme nas mãos dos pequenos. Som dos pequenos em terra de morro grande. Sincrônica, porém erros também surgiam, e deles risadas. Brincadeira de som. Som de criança e bochechas vermelhas. Era vergonha. Seria aquele ritmo segredo? Não sabia. Não soube, apenas dancei. Dancei música de criança. Música dos pequenos em terra de morro grande.

Lucas G.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Sem título

Roia as unhas que já não tinha. Olhava na janela e a sua cara pálida refletia a noite passada. Vodca seguida das batidas de uma balada no subúrbio paulistano.
O relógio de pulso anunciava o amanhecer do dia. A casa ainda em silêncio; alguns fechares de portas e esporádicos estampidos do chão de taco marcavam um novo dia para todos os outros. Mas não para ele. Ele não tinha um novo dia pra começar.
Sentado numa cadeira velha em frente ao computador revezava entre salas de bate papo e profiles do Orkut. A inanição lhe apetecia. Tinha livros para ler, tinha coisas a escrever e, naquele momento, até queria conversar. Porém, tudo era tão difícil, era distante. Aquele homem se deixava levar pelo barulho da máquina, pela restrição das tamanhas possibilidades de uma rede infinita, pela única coisa que ainda lhe dava alguma espécie de prazer.
Homem feito de tecnologia. Por tudo que este fazia dela, uma dose diária do mais puro veneno: a idêntica sequência de ações. Não havia o que começar, pois já não sabia o que era o diferente. O homem temia a distinção.
Junto ao tocar das teclas, via-se sangue. As unhas, quase inexistentes, pediam socorro a mais aquela repetição. A perna mexia num frenético cacoete, movimentos exatos e, por mais angustiante que fosse, iguais. Exatamente iguais como todos os outros dias daquele homem.
O cigarro no mesmo horário, a tontura e o cheiro da nicotina excitavam um falo já automático. Erguido por aquela sequência. Seu orgasmo tinha horário, seu prazer um site.
Ejaculava e de frente ao espelho dava adeus ao seu sexo. Há muito, virtual. Um leve gemido no ápice do seu orgasmo relembrava os antigos momentos reais, as carícias e o cheiro de gente. Fingia se satisfazer, até tentava distinguir as inúmeras masturbações noturnas. Mas até elas, tinham se tornado iguais.
Às sete da manhã, mais um cigarro. O escovar dos dentes seguido de um gole na água da torneira. Desliga o computador, coloca o pijama, deita na cama de bruço e adormece até as três e meia da tarde, quando seu relógio iria despertar e mais um dia reiniciaria. Idêntico e sem começos. O dia das teclas, das gozadas, do sangue. Os dias iguais precedidos de noites de vodca e batidas frenéticas, porém vazias e sóis. Aquele homem não sabia ser diferente.

Lucas G.

domingo, 5 de julho de 2009

Não haveriam explosões



Naquela relação haviam apenas enganos e enganados. Uma junção imperfeita, um processo de coligação altamente fictício e, diria até, de base nostálgica.
De certa forma, aparentava que da relação não existia o palpável, o definível; apenas um abismo, uma clivagem irresponsável dos corações soltos, dos desejos mais primários e infantis, de um começo necessário, mas hipócrita. Como a relação toda em si.
Longe de querer os mesmos questionamentos ou elucidações. Mas todo recomeço é pautado em algum passado. Todo recomeço carrega consigo singelas picadas daquele inseto verde de Clarice. Recomeçar revivia o pedido da última onda do ano que se despedia.
E eu não conseguia. Não queria. E não podia. Um recalque sólido e frígido. Uma atitude que estava longe dos sentimentos e fincada na racionalidade e na frieza do esquecimento.
Ao recomeçar, achei ser apto a tudo o que viria. Achei poder transformar meus exaustivos dogmas, tive certeza que minha visão havia mudado, que meus anseios eram outros e que a jovialidade do antigo discurso já não apetecia. Pois bem, e não mais mesmo.
Muito havia mudado. Outros momentos, outras pessoas, outros ciclos e círculos. Contudo, ao medroso aqui que vos fala, uma antiga sensação passou a ocorrer. O passado rígido, o delimitar abusivo, o esquecimento palatável, estranhamente, arqueavam-se e afrouxavam aquela redoma altamente intransponível.
Mas, sem explicação, no instante da ação tomada, já elucidava: Jamais seria.
Não sou capaz, não me divirto, não são adendos. Quis que fosse, continuarei tentando na hipocrisia anormal, ou talvez, na normal veracidade de passos trêmulos, de ajudas sinceras e descompromissadas. Não obstante, um medo ainda permanece, um medo que, apesar de não admitido, transpassa o limiar do querer. O medo do retorno. O pavor da irrealidade. Um medo de mais feridas e de possíveis explosões. Não consigo, não posso e...

Lucas G.