sábado, 19 de dezembro de 2009

Geraldo Azevedo / Letras negras

" Pelo jornal o dia chega
Com as letras negras
Do que está por vir
Pelo meu sonho era tudo bem
Você passava e olhava pra mim
Seu olhar miragem
Surgindo na paisagem
De fumaça e luz
No paraíso amor um dia
Imaginamos cidades azuis

Oh meu amor
Meu grande amor
E agora

Serenai! Serenai! Oh verde mar
A madrugada chegou
Começa o dia você me
Incendeia
Amor me incendeia
Até florescer
E nada mais bonito
Que o grito selvagem
Do subúrbio lado blue
Desconstruindo muros
Até o sonho aparecer
Oh meu amor
Meu grande amor
E agora

A voz na sacada
Da casa rosada
A solidão da voz
E na varanda branca
Da alvorada
O tempo cansa
De esperar por nós
Será que é preciso
Imaginar o cosmo
Pra compreender
Que esse neném no colo
Tenta resistir
Essa madona
Quer sobreviver

Oh meu amor
Meu grande amor
E agora

De lá das estrelas
Eles querem ver
Esse mundo explodir
Lágrimas na rua
De verdade
Tudo pode acontecer
Afinal
O sonho é um sinal
Que tenha fruta madura
No quintal do vizinho
Por tanto tempo
Eu fiquei sozinho
Pelo jornal
O mundo acabou
Oh meu amor
Meu grande amor
E agora"

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sem título

Eu abri minha caixa de mensagens. Não por querer soluções. Não por entender uma lógica nisso tudo. Eu nem sei se por querer. Eu apenas abri minha caixa de mensagens e inverti a ordem.
Fui do fim ao começo. Quando achava que salvar mensagens aprisionaria olhares, maneiras, gestos ou faria disso tudo um pra sempre. Cheguei no momento em que mensagens eram rosa. Rosa e arma. Cheguei no momento do não dito, das represálias, de quando começar um parágrafo exigia cuidado, olhar minucioso. Não podia errar, não poderiam haver mal entendidos, senão todo o encanto se quebraria. Senão não haveriam mais segredos. Senão já não sentiria saudades e minha criação perderia o toque onírico, aquela áurea de fábula.
Ao mesmo tempo, o gostinho de ver o passado por olhares diferentes.Tão distintos, um de cada cor,cada um com sua função. Um deles, contente com o presente, automático, calejado ao dia dia. O outro não só olhava, mas também relembrava. Numa mistura que não haveria outra forma senão jorrar, cair em gotas denunciando meu saudosismo. Resgatando da memória a densidade deste inverter, o quão intenso e amador era tudo aquilo. Nunca mais se teria um outro começo,duvido muito que conseguiria contar de novo tão engenhosa estória.Sabendo que, hoje, ainda sou desacreditado.Desconfiam de minha maior criação.
Pois sim, sempre gostei de tornar pequenas coisas mais interessantes. Florear, recriar, colocar adendos, intenções. Inexistentes, muitas vezes? Sim! Mas é só acalento, não faz mal a ninguém . Apenas ao coração bobo de menino crescendo.
Inverti a ordem de minha caixa de mensagens e revi a criação. Meu maior vivido, minha melhor e pior experiência. Minha rosa e minha arma. Minha obra e suicídio. Uma dualidade que jurava que não teria fim.
Mas não desprezo o gosto da saudade. E derramar de meus olhos bicolores gostinhos de amor jovem, nunca será pecado algum. Apenas mais estórias.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Dança, mago, coração


Exímio feiticeiro:
Girou mundo,
Me fez pião.
O pano de chita na cabeça ,
Colorido coração.

E se por apenas aquele instante,
Se para nunca o sempre,
Ao menos,um traçado de grafite.
Uma nova linha,
Escrita em cheiros
existentes,
amados.
Inteiros.

Assim, uma vez.
De perto,
aquele escrito não seria de grafite.
Mágico, fazia de desenhos,
canções e
de papel branco,
passarinhos coloridos.

De uma dança,
as cores do pano de sua cabeça
Eram epifanias embrulhadas, regalos de alma,
Estava vivo e pulsava,
Eram meus ,
em acordes conhecidos.

Lucas Galati

domingo, 6 de dezembro de 2009

Um pouco de Hilda Hilst

I

"Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.


II

Ver-te. Tocar-te. Que fulgor de máscaras.
Que desenhos e rictus na tua cara
Como os frisos veementes dos tapetes antigos.
Que sombrio te tornas se repito
O sinuoso caminho que persigo: um desejo
Sem dono, um adorar-te vívido mas livre.
E que escura me faço se abocanhas de mim
Palavras e resíduos. Me vêm fomes
Agonias de grandes espessuras, embaçadas luas
Facas, tempestade. Ver-te. Tocar-te.
Cordura.
Crueldade.


III

Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.



IV

Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?

Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Esse da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia".

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Entre grades

Era ontem ainda. E lá fora chovia. Da minha janela, um cigarro aceso. Meu.

Da janela, viam-se grades. Não só minhas. Grades de minha janela e de outras. Dos tantos.

Grades protegendo e a chuva . Meu cigarro aceso. Protegido da água que caia. Que dançava.

Fumaça também dança. As minhas, numa ciranda entre grades. Tocava a água e desaparecia.

Cinza, translúcida e interna. Num compasso da vontade de um externo instante. Calmaria.

A água tinha passos livres. Gotejava na grade, provocava a fumaça do humano protegido.

Porém do telhado era chuva que caia. Inconstante, acariciava telhas, fazia o ralo cantar.Natural. Inveja aos feitos humanos.

Não haviam regras, o além das grades convencia. Num ritmo que o protegido desconhecia, que a fumaça esquecia a dança e errava os passos.

Desconhecida, uma música que poucos ouviam. Calava o barulho de cidade, apagava o cigarro e desprotegia aquele que olhava entre grades. Que só sabia ser assim.

Aquele que ainda queria aprender a dançar chuva. Ao menos, uma vez.Naquele instante.

Lucas Galati