segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Alto mar


Não foi pedir,
A sem jornada,
em três ventos.
Disparada.

Fechou os olhos,
Molhado cabelo,
Já sem medo
ao mar confuso.

Do bote pequeno
Junto ia saudade
Dos aqueles.
Fotografia enlaça aquarela.
E a lágrima caía,
Nem se via.
Gota encarcerada
- chamada do mar.

De longe, avistou estórias.
De lá, recomeços.
Mais uma vez,
Olhos fechados.
E música de horizonte,
Desejo candente e nunca mais
Pra trás olhou.
Fugiu no azul de mar confuso,
Com uma folha amassada no bolso,
Lembrança do tempo de terra que habitou.

Segredo guardado por sol e
Linha fina de mar.
Poucos sabem,
Fincou-se em peixes,
Sombras e estrelas.
E nunca mais voltou.


Lucas G.

domingo, 30 de agosto de 2009

O bilhete debaixo da porta: tapa de vida

E em truculência, eram cantos feitos a toda parte. Reclamantes, arbitrários e indecentes nas vozes dos pequenos meninos. Que deixavam de chorar e preferiam fechar-se ao mundo – que ainda mal os mostrava o tanto aquilo.
Engasgados por tamanha acidez, vociferando, algumas vezes, verborragias por eles não entendidas. Repetidas em inocente senso comum. Mas diziam. Um contentamento tão frágil, por vezes tido como irreal. Pois como se pode em pequena cabeça menina?
E dali culminam as mais tristes anomalias. Contrários inóspitos, porém aceitos em forma de acalento no já vago pensamento juvenil. Depressivos, bipolares, críticos, ríspidos, sintomáticos humanos. Rochas.
Não obstante, o ciclo não se faz linear. Uma hora, aquele interno se cansa, a vida solapa a face, ou deixa debaixo da porta bilhetinho de cor violeta. Muitos sem coragem não abrem. Alguns arriscam e tiram daquela mensagem o sorriso diário, a covinha, um adendo. Muitos desaprendem a julgar. Outros não a entendem .
O bilhetinho de cor violeta carregava consigo as seguintes letras: AVIV e à mim foi entregue por menina de sorriso choroso , e choro sorriso. Ao pé do ouvido contou-me um segredo: Espelho.
Não somente o bilhetinho. Não apenas o bilhetinho e o espelho. Mas a menina. Os seus olhos. A saudade. O tapa da vida.
Aos pequenos meninos sintomáticos, a crença de que meu “viva” apareça de alguma forma. De que se permita as paixões, as caídas, os descasos e acasos. Dessa oportunidade tão frágil e singela. Dessa tão criticada. Menosprezada. Calada. O pensar de que para os meninos um bilhetinho ainda seja entregue.

Lucas G.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Dúbio pensar


Gostinho de café logo que se acorda. Cheirinho de lavanda ao abrir porta de lavabo. Roupa passada ao aroma de sabão de coco. Uma flor pela primeira vez notada. Voz bonita sem saber o dono. Barulhinho daquele primeiro movimento quando olhos se abrem. Um carinho de maneira secreta. Um beijo lento, tônico aos lábios.
Uma ligação inesperada, uma carta endereçada ao seu nome. Um abraço de saudade. Lágrimas sinceras. Um dia triste. Outro feliz. A alegria ao ver o mar. Não esperar e obter. Arrepio de água-fria-cachoeira. Edredom no inverno, temperatura perfeita. Ventilador no verão, acariciando pêlos. Comer quando fome se tem. Um filme de final confuso seguido da roda de cerveja e discussão. Epifania. Alguém querendo sorrir, outro fazendo você sorrir. Perdoar ou ser perdoado. Arrepender-se.
Das palavras, memórias se tiram. Passado e associações. Sinestesias enfurnadas dentro de um pensar humano. Enfadonho incansável.
Estranho foi aquela menina ter me perguntado, naquele exato dia, como era o gosto de paixão. Repeli, no primeiro momento – piegas. Em casa, pensei. Retorci as inúmeras analogias, vomitei em silêncio: “ Eu nunca uma podia ter vivido. Não haviam me deixado? Eu as vetei?”.
Sem respostas. Um telefone mudo, ou talvez, ocupado. Uma carta de via única. Um abraço gelado. Um beijo de lábios cerrados. Um não poder. Desculpas. Inverdades invenções. Off line. Outros momentos. Tristeza. Diária, diário e sentinela. Pés no chão, mãos de ferro. Pílulas. Pornografia. Punheta. Aspirações. Desejos – oníricos. Terreno aliciado, saída precisa. O vermelho , logo ali, corrida. Suor. Olho no olho e só. Passou.

Amargo. Era o gosto. Dia seguinte, não a encontrei para dar a resposta.


Lucas G.

Primavera / Zé Miguel Wisnik

"A primavera é quando ninguém mais espera,
A primavera é quando não,
a primavera é quando do escuro da terra
acende a música da paixão

A primavera é quando ninguém mais espera
e desespera tudo em flor.
A primavera é quando ninguém acredita
e ressucita por amor"

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O que por você faria

Queria o tanto poder te dizer,
Mas não sou permitido.
A noite, a lua sai, e pela janela imagino.
Imagino o que só, fique aí, pensando.
Pensando o que também só deu-se construindo.

Eu tentei segurar,
Mas pensamentos vão e vem.
Acaba, no final, por uns se acreditando,
Coisa de guri adulto.

Podia e queria, recorte tênue,
Barreira inexata. Brincadeira sem regra e
Um perdedor.

Aceito , lá, os caminhos de uma vida
Iniciada de safanão.
De um jogo ansiado de final, mas de última página faltante.
Aceito, ainda, os possíveis efeitos de uma escolha,
Do dado oco rolando na grama molhada.
Aceito lágrimas como abraços e
Abatimento como diário.
Sorvo em notinhas as angústias,
Finjo elas não existirem,
Ator sem platéia, se lembra?
Paulistano sem causa.

Deixo de ser, faço silêncio, dou um abraço.
Te beijo.
Não deixo vestígio, limpo a coberta, apago meu nome.
Destruo caminhos, refaço desenhos,
Poetando.

Quem sabe cicatriz pequena,
Um corte de faca.
Quem sabe tatuagem de marca pra sempre.
Talvez, a lembrança de um conto bonito.
Queria o todo ter dito,
Mas não posso, gostar de você não me é permitido.

Lucas G.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Estranho viver em terra de garoa

Megalomaníaca cidade de algozes. Marginais despercebidos em meio a frenesi e promoções em portas de vidro. Vidros que refletem desiguais, que engordam, emagrecem. Superfícies que reluzem em preto, roxo e amarelo – as cores novas do verão.
Vidros de nenhum interior. O interno e vago consumo humano. Suprindo malefícios eclodidos da própria cidade. Dos ratos, de barulhos, de cinzas, de estampidos revezados das formas altas às chinelas carcomidas dos também passantes. Os meninos na correria do pega-pega, rolando entre asfalto , poeira e desaprovações. Mas ainda eles ali brincam.
Nessa babilônia de nome tão santo, até o céu se cansa. Enegrecido, propaga-se em nuvens esparsas e azul quase cinza. Estafado está e, quando tonto de tamanho ritmo, vomita em gotas grossas água. Água e ácido. Nessa terra só assim se limpa os vestígios dos soltadores de fumaça, só assim lixo desaparece, só assim a frenesi diminui e os tidos como loucos podem sair à rua e dançar. Ácido caindo na terra, terra dos tantos e de tão poucos. Poucos que nem nome ganham, indigentes de terra natal. Viver brasileiro é questão de sorte.

Lucas G.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Hipocrisia gustativa

- Não sei dizer!
- Então nada diz?
- Nada tenho para lhe contar.
-Pois nada tens?
- E por não ter, as formas se perderam!
-Foram para onde?
- Não foram . Remanescentes , permanecem no incomum . No indizível.
- Não diz por nada ter a contar ou pelas formas terem lá desaparecido?
- Por ambos. Não digo, pois engasgo tamanho não dizer. Aquele nó de pedra. Não sai. Disforme ou emoldurado, entendes?
- À mim, acho que há muito o repeliu e hoje dormes bens , querido!
- Pois agora sabes de meus sonhos? Sabes de tudo o que somente a mim guardo. Peso dos grandes. Guimarães já dizia: “Viver é um negócio perigoso”.
- Pois como! Tens a dizer, mas se esqueceu. Caras e bocas exalam vontades? Diga-me , segredo de Estado. Eu lhe prometo...
- Coitado, tornou-se trivial. Pensa apenas de um lado. Sou ouriço criado, dos grandes, e das puas minha defesa faço. Diariamente, desacredito no verossímil. Num explícito indesejado.
- E não mudas? Tirou,alguma vez, o recheio de um biscoito? Inverteu a ordem? Sentiu medo?
- Sou ego. Quero carícias e confortos. Fragilizado propago nesse caminho que, ao menos uma vez, deu certo. E como... Não são pedras, formas ou vontades. Carinho. É simples. Deixei há muito de sentir, desacredito em tão vaga possibilidade humana. Acalento encontrei somente naquilo do passado. Na nostalgia...imutável!
- Sensação boa a ti !
- Somente, mas quando se sente egoísta se torna. Fui tudo e mais um pouco. Mas, querido, as puas não deixaram de existir. Não imagine, pois nada acontece. Continuo o de sempre, o obsoleto, porém silenciado, entorpecido por defesas que eu próprio desconheço.
- Se desconhece e se defende. Vês fim em tamanha artimanha?
- Cá, hoje, sou. E sendo, propago. Em veias, em memórias e ritos. Nunca serei um, sou aquele que a situação me permite. Faço do vigente minha maior essência. Sou tantos dentro de um.
- Pois, agora, cá eu entendo. Desmistificar. Simples assim. Achei ter visto um dentre tantos. Engano, soslaio, “chiste”.
- Lição arraigou-se uma. Não minto e quando não sei omito. Fico no silêncio, letal arma humana.
- Letal e desconhecida. Muito aprendi contigo.
- Feliz eu fico. Só aprendo quando vejo mudanças. Você deu-me idéia de sentir. Não obstante, sei que nada mudei. Disfarço, meu caro! Sou bom nas artes de corpo.
- Bonito ouvir sua voz cuspir tais palavras.
- Já não posso mais mentir. Não à ti.
- Pois cuspa, meu acalento tornou-se isso ouvir.
- Cuspo!

Deitaram e fizeram amor até o sol amanhecer. O sol, diferente, dos tantos outros. E não tinham nada mais para explicar. Ficou apenas aquele silêncio, por eles, tão bem apreciado.

Lucas G.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Só assim (ou por muito pedir)

Queria provocar, mas ter suas respostas.
Estímulos diários, mas não somente unilaterais.
Havia se acostumado aos tantos.

Queria o novo, o surpreendente.
Por outro, sonhava em saber aonde pisava,
Conhecer todas as curvas, cada meandro. Trejeitos.

Ela queria ouvir coisas. O tempo todo.
Queria o fim dos sonhos. Apagar tão insoso limiar.
Sentir o prazer despreparado, mas a gastura de saber que este viria.
O fim entre etéreo e terreno.

Acalmar-se frente o outro, pois conhecia os passos.
Delimitaria assim, perfeitamente, as raivas. Os traumas.
Ela ansiava mudanças. Sentiria o sabor de orgulho delas.
Mudanças sem vetores,
Desproporcionais e
Tão deles.

Mudanças difíceis, porém palatáveis.
Entendeu-se e agora ela realmente deitaria. Dormiria.
Os recortes do passado acabariam, pois tinha um segredo.
Um segredo que alguns trespassavam vidas e nada encontravam.

Quando pudesse tudo isso sentir. Só assim, descobriria que, entre muitos.
Entre todos. Ela conseguira.
Fecharia os olhos e com sossego, sentiria uma chave lá no fundo do bolso.
Chave dada por ele, outra troca justa. A mais, talvez.

Teria esse jogo seu fim. Pois ambos com suas chaves teriam o código de abertura da caixinha.
Caixinha apelidada por eles de “recíproca” -
Nome que gostavam de pronunciar.

Daí então, dormiriam e sonhariam com a vida que tinham,
Um reflexo exato de tudo que já possuíam.

Lucas G.

Culpa de Francisco



Por que a marola do barquinho de pesca que passava.

Por que o dourado, cor de semi-árido.

Por que os peixinhos na borda, curvas e ritmo. Poesia viva.

Por que pés chafurdados na areia, fazendo cosquinhas. Carinho de rio.

Por que o pouso do alado da região em frente a barriguda. Pose para a foto.


Esse águão não era qualquer um que olhava.

Era beleza para aprender a ser vista.

Água de nome santo,

rio das tantas cores, mas de um só coração.


Rio dos amantes, dos pescadores, das estórias.

Rio amado, Rio cerrado. Rio Francisco.

Meu ser tão São Francisco.


Lucas G.


sábado, 1 de agosto de 2009

Segredo de céu



O pipa cortando azul.
Cor de livro, canções de ninar. Azuis.
Só céu, só cor.

Degradê daquele mais clarinho perto do horizonte, sabe?
Até o maduro, céu crescido, com frutos.
Frutos de algodão. E o pipa se escondendo.

Penduricalhos tecidos pelas mãos da mais velha bordadeira,
De uma cidade do norte das Gerais.
E ninguém sabe. Não podem saber.

Ela tece céu em forma de penduricalhos.
Ela guia o pipa. Ela venta em azul – se vê!
Nos algodões, modela. Para os pequenos,
Os pequenos aprendizes da pipa.

O pipa e o vento,
O vento e as formas.
Formas de fábula, frutos maduros de céu crescido.

Arte bordado. Penduricalhos e antigos segredos.
Muito além de céu, nuvens e ventos.
Mas ninguém sabe.


Lucas G.


Carlos, menino de rio. Doce, a água que dança nos dedos de um pé moreno, de um equilibrar inato nas pedras daquele águão que caía. Não era chuva. Era doce, como Carlos. Água doce. Desce céu, vira morro, cai em forma de menino, nos dedos e das pedras.
A macambira nas mãos de sol. Um cumprimento apertado, talvez, o bater simultâneo de corações doentios. Um abraço. A macambira e as mãos molhadas. Um refresco, troca justa, a pura fotossíntese humana.
Mãos de macambira envoltas em água, em corpos. Natural orgasmo fagocitando sinestesias. Carlos e a flor. A flor e as mãos. Nativa. E bela. E única – na frieza dos homens dos altos saltos.
Obsoleta, trivial. Às vezes, simplista nas mãos de Carlos. No som da água que caía. E não era chuva. Apenas a voz que cada pedrinha cuspia. O som que apenas Carlos dizia. Som de vento. De água. Voz de flor.


Lucas G.