quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Realidade de folhas secas



Levanto na empolgação de um sonho de final abrupto, passo a mão em minha face e já nem pele mais sinto, as espinhas cessaram e todas as deformidades e traumas juvenis foram tapados por pêlos e mais camadas de pele. Olho no espelho e vejo as fundas marcas do tempo, os dentes amarelados dos tantos cigarros da boêmia, a troca capilar, as rugas, orelhas enormes, um nariz desconexo e tão diferente daquele das fotos.
Eu estava velho. Por dentro e por fora. Meus papos eram antiquados, ouvia de meus netos gírias esdrúxulas e já nem sabia que língua estavam falando. Passei por inovações e inúmeros adventos e sou obrigado a admitir que até hoje não entendo um CD ou a utilidade de um pen-drive. Mas falar isso só me entristece, vejo que o tempo passou e eu lá atrás fiquei.
Hoje, visitam-me por simples consideração, me acham chato e com razão. Não entendem meu saudosismo: minha vitrola, meus discos, não sabem o que é um diário. Dizer que sou da época dos coretos, das cantadas, da subjetividade se tornou motivo para gargalhadas; fator altamente compreensível sabendo que, nesses tempos, mulheres com a bunda de fora são altamente visadas e nos rádios ouve-se apenas músicas em inglês ou de refrão perturbador.
Uma vez me perguntaram se fui feliz? E disse que fui, mas do meu jeito. Para esses olhares tecnocráticos minha vida não se passou de uma bonita história de um livro lido na Internet. Porém, sou do tempo dos poemas, dos sentimentos ditos, do gostar. Eu nasci num tempo em que se sonhava na pessoa amada e não com uma das tantas da noite.
No passado, não havia tantas. O homem respeitava e se inebriava com a sutileza do ar feminino, com a graça de um andar precavido, com um leve sorriso e uma olhadela. A música alta era marchinha no Carnaval, os tantos adjetivos e classificações eram vistos apenas nos livros, buzinas eram fofocas, o fácil era difícil. Muito difícil.
Ai mais quanta saudade. Digo que fui feliz, pois amei demais. Fiz minha vida, criei dois filhos com boa cabeça e perspectiva. Hoje, tenho netos e minhas lembranças. Meu único amor foi embora. Mas nunca estive sozinho, ela nunca quis partir. Ficou comigo nas flores, nas nuvens, nos pássaros. Ela anda nos cheiros, nos lenços, nas fotos.
Jamais esquecerei o primeiro olhar, o medo de viver o que sentíamos, ter de conhecer a família, a nossa primeira viagem, o casamento, o sexo. Eu me via nela e com sua morte foi junto um pedaço de mim. Mas sei que venho reconstruindo essa lasca até o dia que realmente puder reencontrá-la.
Eu fui muito feliz sim. Vivo no passado, pois meu eu é nostálgico. E nada nessa vida mundana faz eu querer encontrar no presente meu passado. Muito menos querer viver esse presente e ter as memórias só na cabeça. Eu sou antigo por opção e tenho total consciência disso.


Lucas G.

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