segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Boneco de pano

Sou um boneco de pano,dos retalhos coloridos e de mangas de veludo. Nos ombros do menino,
já fui tão pesado que era necessário pontas de pé e costas arqueadas para ser posto no armário.
Já levei vomitada, já fui tacado pela janela e mordido pelo cachorro. "Saudades dessa fase!"
Porém em seu colo, hoje, sou leve quanto uma pluma, passo muito mais tempo na estante e tenho de admitir que algumas traças e ácaros há tempos fazem parte de minha vestimenta.
O meu menino cresceu. Hoje é homem de pernas grandes e sorriso completo.
Sim, sou um boneco realizado. Sempre tive a certeza que meu prazo era curto, fui companheiro na hora de dormir, passei a ser um gigante mostruoso na fase dos bonequinhos, quase fui entregue a um primeiro amor.
Dentro de mim sempre uma inquietação permaneceu: O medo da estante. Contudo, quando se faz parte dela, entende-se que se ainda nela você está, existe uma razão pra isso. Minha razão não havia sido descoberta, até ontem.
Já era tarde da noite e tinha ouvido muito barulho lá debaixo. Certamente, jamais saberia o que tinha acontecido. Pareciam risadas ou choros muito intensos. Não dava para definir.
Na casa de meu menino sabia que de jovem apenas ele existia. Passava bastante tempo no quarto lendo e sempre era chamado por gritos anunciando o jantar ou o almoço.
Tinha uma mãe linda, um pai bastante jovem e uma mulher que aparecia esporadicamente com um chumaço de plumas e aliviava a quantidade de parasitas em meu corpo.
Estranhei quando meu menino entrou no quarto chorando demais no meio da noite. Aquela cena já não via há mais ou menos quatro anos. Ele bofeteou a porta de seu quarto e começou a andar igual uma barata tonta, sem conseguir dizer nada e com as mãos em sua cabeça parecendo arrancar os cabelos. Chorava compulsivamente e parecia procurar alguma coisa.
Foi quando ele me olha no fundo da estante e mais lágrimas passam a escorrer de sua face. Ele me puxa de lá e me abraça com uma força poucas vezes sentida. Deita em sua cama e me diz aos soluços:
- Saudades do último presente que ele me deu! Você é meu e pra sempre!
Havia entendido minha razão e nunca mais dormi na estante.

Lucas G.

Nenhum comentário: