quarta-feira, 17 de dezembro de 2008


Vaga, no azul amplo solta,

Vai uma nuvem errando.

O meu passado não volta.

Não é o que estou chorando.


O que choro é diferente.

Entra mais na alma da alma.

Mas como, no céu sem gente,

A nuvem flutua calma.


E isto lembra uma tristeza

E a lembrança é que entristece,

Dou à saudade a riqueza

De emoção que a hora tece.


Mas, em verdade, o que chora

Na minha amarga ansiedade

Mais alto que a nuvem mora,

Está para além da saudade.


Não sei o que é nem consinto

À alma que o saiba bem.

Visto da dor com que minto

Dor que a minha alma tem.


Fernando Pessoa, 29-3-1931

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