domingo, 1 de março de 2009

Uma pausa na brincadeira



Eram quatro. Quatro das tantas espinhas, dos tantos sabores. Quatro de um mesmo sexo, mas diferentes rancores. Histórias. Amores.
Quatro de uma mesma roda de cerveja quente e do maço de Marlboro light amassado pelas horas de bolso.
Eram os quatro dos centavos, das altas risadas, do não dito. Eram atores, os melhores esconderijos numa brincadeira intermitente e mascarada. Se errada ou certa? Há dúvidas. Porém, era deles e, portanto, necessária.

Tudo isso até aquela noite, onde um deles decide iniciar um assunto jamais discutido:
- Lembro bem, um jovem casal se beijava no metrô naquele dia. Na estação seguinte, um outro de idade mais avançada discutia o preço da conta telefônica aos berros. E para minha surpresa, ao descer no Trianon, ouço dois velhinhos reclamando do cansaço de uma relação de tanto tempo.
- Aonde quer chegar? – pergunta o amigo ao seu lado esquerdo de all star cano longo vermelho.
- Nem eu sei ao certo. Mas olho para tudo e ao mesmo tempo sou mais cego que todos. Em apenas três estações, foi inevitável minha necessidade de indagação. Será que realmente é possível existir o que chamamos de amor? Será que tudo isso não é apenas uma questão de companheirismo, respeito, sei lá!
- Você e seus questionamentos. Já pensou em viver ou se arriscar em uma experiência assim? – diz o amigo a sua frente de calça xadrez avermelhada.
- Acha que não vivo?
- Não acho.Hoje, tenho certeza.
-Por que diz isso?
- Sua covardia impressiona qualquer um.
- Covardia ou indiferença?
- Pensando em você, total covardia, pois todos aqui sabemos de suas vontades. E já chegou a conquistar alguma?
- Não conquisto, pois senão deixariam de ser vontades.
- Ah! É mesmo?
-Pois claro que sim! A vida sem vontades, sem desejos perde o sentido. Ficamos sem propósito.
- E a vida sendo só vontades e desejos?
- Talvez assim eu seja mais feliz. Diferente de você, que se diz a coragem em pessoa, mas transita entre homens e mulheres sem jamais ter tido uma relação de mais de um dia.
- E o que foi a Aninha?
- Aos seus 14 anos. Nossa ! Quanta experiência deve ter adquirido, hein?
-Pois claro que adquiri. Foi ela quem me ensinou o que era mulher, o sexo, o desejo.
- Certamente. Um sexo de um minuto e meio torna-se o responsável pelo seu vasto repertório de experiências.
- Você é ridículo, pois então permaneça no seu mundo de nuvens – diz em voz baixa segurando o copo americano junto a uma cara de desdém ao amigo covarde.
Até o silenciar da conversa, aquele do all star vermelho e o amigo a sua frente de camiseta regata preta acompanhavam boquiabertos a profundidade da discussão:
- Começou a punhetagem intelectual. Vamos beber e falar das “chicas” que ganhamos mais com isso – apazigua o regata preta em tom de deboche.
- Mas tamanha pertinência! Uma puta discussão legal e vem você cortando a brisa! – responde o all star acidamente.
- Mas é sério cara! Vocês discutem pormenores, frases, aspectos, detalhes absurdamente irrelevantes.
- Por não sermos indiferentes como você é a essas questões não nos pode considerar detalhistas ou irrelevantes.
- Não são apenas detalhistas, mas extremistas, fatalistas...uma longa lista.
- Então, diz que sua indiferença te satisfaz?
- Totalmente, eu ajo conforme minhas vontades, meus anseios. Não penso milhares de vezes. Não me digo corajoso, muito menos covarde. Sou apenas alguém que não perde o tempo tentando se definir.
- Retórica perfeita. Mas até que ponto podemos acreditar? Todo mundo se questiona, isso é humano.
- Eu não me questiono, eu faço.
- Não acho que seja mais feliz por isso. Lembro muito bem aquele porre que você tomou na festa do Rafa e queria socar o cara que estava beijando a Paty. Ficava batendo no peito, parecia um gorila.
- Foi escroto esse dia!- complementa o amigo covarde.
- Não acho que isso diga nada. Eu posso até ter exagerado no meu argumento. Talvez, me questione, mas busco sempre não fazer isso, pois acabo excluindo minhas vontades.
O covarde se levanta apoiando na cadeira:
- Pois então, qual a diferença dele pra mim?
- Você sonha apenas. Eu sonho sempre, mas viso concretizar aquilo que desejo.
- E quantas vezes pode dizer que conseguiu?
- Poucas.
-Assim como eu.E qual a diferença?
- Nenhuma?
Um silêncio permanece, tempo este dado para o encher dos copos. O do all star finalmente resolve palpitar:
- Pois então, eu sou inerte.
- Como assim? – pergunta o de calça xadrez avermelhada.
- Eu pouco faço, não penso nessas questões. Quando faço é por que tudo deu absurdamente certo. Não sei se tenho vontade, se ajo por impulso.
- Uau!!- interrompe o de regata preta.
- Sou como uma pedra. O sexo para mim vem sempre em segundo plano. Meu prazer não se encontra numa penetração, num encontro perfeito. Mas, ao mesmo tempo, não sou indiferente a isso.
- Não entendi – complementa o covarde.
- Sei lá, tenho um pouco de cada um de vocês, não sou definível. Me considero inerte, pois não faço as coisas acontecerem. Mas não sou apenas indiferente, eu também sou. Sou corajoso em determinadas situações e covardes em muitas outras.
- Talvez, todos sejamos assim. Mas cada um prioriza uma característica, o que fez sermos quem somos. Bastante diferentes, mas talvez iguais ao mesmo tempo. Numa mesma proporção ou de formas totalmente opostas – sintetiza o de regata preta.
- E quanto ao amor? – pergunta o de calça xadrez acendendo um cigarro.
- Existe – covarde.
- Não existe – regata preta.
- Não sei – all star vermelho.
- Não quero ter certeza disso. Sentimentos não se alojam em existes ou inexistes. Não há uma única resposta. Temos as nossas e sempre serão bem diferentes das dos outros – calça xadrez avermelhada.
- E que bom! – enfatiza o covarde.
Os quatro ficaram ali por mais uma hora. Quando olharam em seus quatro relógios totalmente diferentes e viram algo semelhante:
- Vamos embora! Minha mãe vai me comer vivo!
E nunca mais voltaram nesse assunto.


Lucas G.

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