terça-feira, 15 de setembro de 2009

Dela para ela

- Da sua boca, carne puramente desejada. O que havia de promíscuo em dois lábios se tocando?
- Mas não, assim não seria. Jamais, feia da forma que o espelho gritava. Os óculos, as espinhas, esse jeito torto, parecendo toda vez estar com cólica.
- A pele clara, as unhas intactas, as mãos torneadas culminando em veias tão bem limitadas, carne viva. Movimento perfeito.
- Pois disso já se sabia. O mundo endossava. Porém, as tantas críticas. Pense, pense... Os defeitos. Os erros – as unhas na boca e o pé em repetições aflitivas. A classe toda a notava.
- Pequenas, pequenas nesse mar que carrega aí dentro. És pequena apenas no tamanho, guarda rios de cores e sabores. Desejo, hoje, é segundo nome. Dentro de ti. Você inunda sentimento. Pois diga.
-Já disse! Em nada adiantou.
- Quem sabe outra vez?
- Louco só pode estar! Não sou dessas, tenho respeito a mim mesmo.
- Tens orgulho!
-E se for?
- Engula. E o diga. Ande!
- Não adianta, gostar é injusto. A estória se formou em via única. E assim seria! Foi dito. Acostumei-me.
- Assim vejo! Pois as máquinas deste século de fato dizem?
- Claro que sim! De uma forma fácil, sem contato... Não se vê!
- Dizem tão fácil quanto mentem.
- Nada se aplica neste caso. Sinceridade em busca de amizade. Forte demais, entende? Não transforma.

A luz do sol entra pela janela e bate exatamente no olho. Olho dele. Azul que reflete vermelho dentro dela e relembra aquele sonho. Queima e fogo. Afoga em angústia. Ela muda de posição, bebe um gole da água da garrafa em sua mala e tenta se concentrar no que o professor dizia.

- O cabelo liso, o acostumado não toque. Nunca havia o abraçado. Imaginava como seria. Tocar em seus braços, beijar a ponta do nariz menino. Olhar no fundo daquele mar em forma de olho. Se perder em tais águas.
- Pois aqui te conto um segredo. Dentro de mim jaz algo que ninguém pode tirar. Sonhos. Sempre tão bons e completos e tão meus. Acontecendo em minutos, mas em ritmo conhecido. Acalenta.
- Dentro de você?
- Desculpe-me , dentro de nós!
- Melhor assim. Porém, pretende viver de sonhos agora?
- Viver é tão amplo. Se em sonhos me completo. Deixo a realidade sem compreensão.
- Pisará em nuvens daqui pra frente. E o calor, seu fogo? Esse vermelho quando irá sair de você?
- O vermelho sai apenas pra mim. Quando fecho os olhos e resgato o mais querido , aquele desejo do meu entender. No toque suave, no preenchimento onírico, do calor de mim de dentro para eu mesma aqui fora. Curativo aos solavancos de uma vida de poucas falas. Porém, vida cheia de pensar. Eles, hoje , são parte de mim e os aceito como existência.
- Deveria tentar dizer isso algum dia.
- Não penso em algum dia. Se ainda não pude, me apaixono pelas situações que aqui dentro planejo - toca em sua cabeça e nota que a classe inteira vira o gesto e a fingi coçar, mas continua - Amar de forma intensa. Ser intensa e saber esperar. Não esperar concretude, esperar que um alguém apareça e que minhas posturas possam ser outras, ou talvez, as mesmas. Mas sempre densas a mim. Sentir o vermelho pulsando. Meu vermelho.

Aquela outra voz, aquela voz dela que se tanto perguntava, por fim, cala-se . Ela havia se convencido de que o amor não precisa de reciprocidade. Talvez, não o amor em si, mas o amor dela. A sua forma de amar e de se sentir sua, completa, vermelha. Uma discussão de uma aula. Dela para ela mesma. Dois pontos eqüidistantes, moral e desejos. Engolfados num dentro tão dela. Num amor que apenas ela entendia e esperava. Esperava mais sonhos, mais calores e vermelhos de outros tons.

O sinal toca. Assustada, mexe as mãos buscando reavivar a circulação interrompida por horas de apoio de cabeça, dá um gole de água. E diz baixo, a si mesma:
- E se, acerca de tudo, ele não vier. Tudo bem será apenas mais um dia. A noite o roubo ...

Lucas Galati

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