quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Tudo aquilo

- Porque já vai?
- Porque não mais escolho.
- Mas ainda nem dançamos...
- Minhas pernas me falham. Carrego peso demais pelas costas.
- Pois então, ainda decide: Quer ir embora, certo?
- Decide-se apenas o que se quer. Já não posso me dar a esse luxo.
- Qual luxo?
- O de querer algo.
- Salgada frieza. E isso porque agora?
- Quis durante toda vida.
- E errou por isso?
- A vida não é de certos e errados.
- Como sabes?
- Por que se fosse, não poderia ter mais sonhos.
- Não entendi.
- Se tudo tivesse decidido, teria a completude de minhas vontades saciadas. O que são os sonhos, senão os mais internos desejos?
- Logo, não teve tudo decidido.
- Decisões não podem ser simplistas. Carregam mimetismos, uma mutabilidade que foge do controle humano. Muitas vezes, opta-se pelo silêncio. Separa-se, em certos casos. Há aqueles que golpeiam verbos assassinos. Porém , tudo vindo de você.
- Calma! Mas isso não seriam escolhas?
- Escolhas são para aqueles que ainda enxergam outras opções, que ainda tem tempo para uma última dança, uma última taça, um último beijo. Decide-se quando o tempo corroeu a carne, quando o cansaço não veio em forma de suor, quando o todo dia deixou de ser saudável.
- Acha certo?
- Como já disse, não há maniqueísmos em decisões. Nunca acharia certo algumas decisões minhas e eu sempre criticaria outras suas.
- E o futuro? Não pensa?
- Não mais. Carrego o final dentro de mim. Tenho prazo de validade.Não posso pensar além de alguns meses.
- Dói tanto pensar nisso. Mas fez o tudo que queria?
- Não. Eu quis demais, decidi o tanto e desconheço a vida.
- Pois corra! Ainda dá tempo!
- Não tenho mais meus vinte anos. Estão me dilacerando por dentro e tenho de aceitar. Entender a chegada da morte.
- Por que quis tanto?
- Porque vi o amor no mundo. Era tão colorido. Um cheiro de perfume de grife. Fui tão feliz.
- Viveu esse amor?
- Nunca. Apenas o quis. E decidi estar distante.
- Por medo?
- Por nunca ter sido. Não sei explicar.
- E como te fez feliz?
- Por ser amor. Era um sorriso, um toque, a esperança. Eram até as brigas, os filmes, nossos gostos.
- Não imagino.
- Já não fazem amores como antigamente. Agora, eles vêm em papel bolha e tem senha para entrar.
- Você não entenderia , meu velho amigo.
- Não mesmo. Não depois de tudo aquilo.

Ele fechou os olhos e teve preguiça de os abrir de novo.

Lucas Galati

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