domingo, 10 de janeiro de 2010

Alice

Ter tudo aquilo, ver aquela gente do alto do prédio compondo em verde, amarelo e vermelho. Dança cuspida da latrina. Carros de outras cores em tantas mais velocidades, olhar da janela do metrô e ver mistura: coturno, corrente de prata, scarpan, boné com aba reta, calça larga e blusinha justa ou vice e versa. Todos ao mesmo tempo, na mesma rua, ou as cruzando. Sentados na esquina, rindo ou chorando. Dando as mãos ou caçoando. Mas dali tudo saia.
A madame com o cachorro recém saído do pet shop, a mulher com lenço na cabeça e unhas encardidas. Sentir o 212 men, mudar de banco e o Avanço dominar o ambiente. Sentir cheiro de gente, sentir cheiro de banho tomado, reconhecer o Monange e apesar de relutar, ter de admitir a diferença entre o Victoria Secret que rapidamente passava.
Viver em paradoxos, mas estar atento a eles. Estar feliz de estar dentro de um todo tão grande. Sendo pequeno pintou-se um enorme. Notar tudo isso e saber que outros olhares pelo mesmo passavam. Também te viam e suas interpretações faziam. Queriam, quem sabe, até saber as horas, mas sua postura não convenceu. A velhinha achou que atrapalharia a sua música, o menino ficou entristecido por sua bala não ter sido notada.
E você passa. Em um dia, quantos outros pequenos não olham para você? Quantos , ontem , não tiveram uma noite ardendo em sexo? Quantos ficaram a noite toda no Messenger distribuindo cantadas? Quantos não choraram? Quantos pensaram na morte? Quantos não viam a hora do amanhã , pois seria um dia a menos?
Mas você não percebeu. Redomas em estilo High Tech. Por celulares, em mensagens, no Ipod esvai-se a humanidade.Não existem diferenças. O fim em bitucas tacadas pelos bueiros...Todas iguais.
Arrogância genuína, mas ainda carregada de tão grande semelhança com aquele cheirando a mijo que acabara de pedir uma moeda para ti.Ops! Não tinha visto, estava ocupada, cansada, chateada. Fechada dentro do seu privado bem público. “Nossa, minha vida é um túmulo... Ai menina! Acabei de trocar meu profile no Orkut, finalmente resolvi colocar namorando”. Estar dentro das grandes diferenças e não saber entendê-las. Preferir a cegueira.
Então, se reclama das mãos atadas. Enchem os bolsos dos psico tantos, medicina alternativa, ervas e pronto: “Nossa! Foi síndrome do pânico. Ainda bem que passou!” E não aprender nada com isso. Não se pensar numa vida diferente, numa vida feita do pânico e poder rir dele. Poder ver na diferença um conhecimento empírico. Que nunca horas em salas de aula possibilitariam. Chegar aos máximos e não tomar remédios. Sentir o corpo latejando, ter dúvidas, errar e sentir a força da mola: Suba , meu filho!, lamber o limbo, querer o fim do poço. Sendo dentro ou fora de uma normalidade. Mas respirando. Não tão descartáveis quanto bitucas de cigarros. Ser além. Ser sendo. Sentindo humano. Aceitando outros pequenos.Fagocitando, ou simplesmente, percebendo .

Lucas Galati

2 comentários:

Gustavo Faria disse...

Acho que se eu fosse mudar o "profile do meu orkut" colocaria esse texto. Muito bom.!

Lucas Galati disse...

fico feliz em ouvir isso!