domingo, 17 de outubro de 2010

Dia cinza

Aquele marasmo voltava a cansar e se eu te dissesse , você não acreditaria: ao sair lá fora o dia estava cinza.
Cor aquela de um tom só, pesada, arqueava as costas e dava vontade de voltar pra cama. Com muito esforço, ainda consegui deitar por ali mesmo. Não queria o conforto, dar risadas teatrais ou beber uma cerveja. Queria um dia assim, queria estar deitado naquela posição. Queria sentir a espinha estranhando o gelado do concreto. Não queria pássaros coloridos, uma mão acariciando meu pêlo ou uma música ao fundo. Não queria ninguém de família, ou de relativa proximidade, queria olhar a cor e fazer dela responsável por qualquer devaneio.
Naquele dia eu não queria palavras humanas. Poderia vomitar frente a qualquer sinal de mimetismo descabido ou de uma falação a respeito de rodopios empíricos, quase sempre inexistentes.
Eu estava farto dessa necessidade e do dia cinza não haveria água, pomba ou gritos de criança que me tirasse daquele estado de inanição.
Eu degustava o momento. Sólido, aos poucos, controlava as dores de meu corpo após uma noite de balada, tinha esquecido o comentário ríspido do amigo que tentava impressionar o namorado e conseguia deturpar a face de meu maior engano - levantava a bandeira da auto proteção.
Na cabeça, apenas a insatisfação de ter que dar certo, a infelicidade do dia seguinte, em que novos relatórios esperavam para serem preenchidos. Eu estava cansado.
Seguir um contrafluxo teria seus desenganos?
Para ser estranho , você precisa de permissão.

Havia me cansado até das noite de bebida. As mesmas pessoas, fazer aquele olhar na esperança de ser reconhecido. Na possibilidade de alguém te olhar e captar algum sinal de conectividade que não se baseie apenas em dentes bonitos , um corpo musculoso e uma calça de marca. Não querer chamar a atenção por razões que não vão além de um copo a mais de vodca.
Queria me sentir homem, queria alguém que sentisse sem pesares e grandes elocubrações.
Queria , uma vez, abraçar e me sentir protegido.
Mas não. Não naquele dia.Não naquele dia cinza. Ao me olhar no espelho, estava sem cor e não tinha a menor aptidão para reverter situações ou processos altamente definitivos.Estava longe de querer vermelhos, rosas ou azuis.
Propagaria em sinal de protesto. Até um dia que finalmente pudesse sentir que alguém , de fato, olhava pra mim e não para o meu copo de vodca.Uma pessoa que simplesmente não mandasse na manhã seguinte: "Desculpa! Estava muito bêbado! Você curtiu?". Alguém que não sumisse.
Esperava um dia que pudesse voltar a ter cor.

Lucas G.

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