quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Fone de ouvido

Era ação diária. Te tirava da minha bolsa e colocava nos ouvidos. As vezes, você me fazia chorar; em outras, minhas pernas não se aguentavam de tanta vontade de dançar. Em noites de lua cheia, você ouvia meus segredos, dando-me os sussurros em doses exatas, numa precisão que escorria em gozo perfeito.
Teve dias que te coloquei apenas para ouvir um outrem. Nem percebia você ali, sua função era basicamente repercutir ,em afagos e risadas, as intenções do outro que tanto me dizia.
Muitas vezes, você me pintou, fez eu me sentir dentro de um filme da década de 20 ou me impulsionou numa atitude almodovariana. Em contrapartida, já fez eu esquecer. Numa sinergia, em um fluxo constante de interno e externo, de música e corpo, do certo e do descabido.
Você também já fez eu lembrar. Memórias de não saber, das mentiras transformadas em grandes verdades. Primeiros amores. Graças ao seu som, eu cultivei instantes e escrevi cartas.
Por você, dei ritmo aos meus passos, pulei paralelepípedos e consegui dar 360° em um poste. Com você, voltei a ser criança; não tive vergonha e ganhei um beijo. Engolido pelas ruas da Augusta, consternado em um sonho juvenil. Você me deu a boa música, fez eu personificar divas e criou minha tatuagem.
Por som, choro, metáforas, ereções e flertes, assumo o trabalho cumprido.Tudo que me entregou por eu apenas ter te tirado da bolsa. Não gosta de escuridão?
De fato, na luz, você reluziu, marcou e muniu com cuidado e apreço os instantes de minha vida.

Lucas G.